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Uma publicação da família da Silva, n. 4

Editorial
A comédia dos erros
Jazz - poema de Allan
Coluna do Edi
USP - 2000
Rotrecer é preciso
Mas eu devo o quê?
Outras letras
Os assassinatos de Márcio e Brigite
Debate - Crusp Credo Cristão
Entrevista com o escritor Angolano Pepetela

 

Editorial

Aviso Prévio da Silva,
desempregado em História pela USP

Atualmente extinguem-se os empregos. As máquinas "livram" o homem de suas tarefas. Deveriam mas, ao contrário, roubam seu sustento. Culpa delas? Não!

As máquinas não podem ser culpadas. A culpa é do mercado! Apenas do mercado? Ele anda, corre, vê, quer, deseja? Não? Então, como pode ter culpa? Há uma prosopopeização do mundo: ora as máquinas, ora o mercado assumem características humanas. Nem as máquinas, nem o mercado podem sentir, ver, ouvir, falar, reagir, oprimir... São características humanas, não artificiais.

Os homens e seus sistemas manipulam máquinas e mercado. Daí decorrem miséria, fome, guerras, desempregos... Empregos? Estão em extinção. Fazem promessas políticos, empresários, filantropos de plantão. Não há mais como criá-los para todos; as máquinas substituirão homens e mulheres nos empregos. Como querem aqueles que manipulam o mercado.

Que queremos nós, empregos? Vimos que são raridades. Daqui em diante, emprego é para máquinas... E para os humanos?

Queremos ócio produtivo, não empregos. Que temos a construir? Nada! Transformamos a natureza, mudamos o mundo; desviamos rios, represamos mares, ligamos continentes. O que falta? Desfrutar de tudo isso. Alguns desfrutam, mas todos podemos e devemos desfrutá-los.

Na França alguns desempregados reivindicam a divisão da riqueza, não o emprego. Estão certos? Seguro! Perceberam que não há nada a fazer, somente dividir. Querem desfrutar do tempo ocioso, como diz o sociólogo italiano Domenico De Masi. Os movimentos de trabalhadores dirão que são loucos, alienados tudo o mais... Resta-nos o movimento do ócio, do desfrute, da rede. Deitemo-nos.

Não queremos apenas crescer X % ao ano, ampliar os negócios, mais empregos, maiores salários e promessas que não se cumprem! Essa revolução será na rede. Deitados, mas não eternamente em berço esplêndido.

Queremos o ócio produtivo, o Tietê despoluído; crianças e os outros bem nutridos. Queremos o movimento da rede, para laaá e para caaá, a água de coco, o mate, a amazônia com índios, o sol e a lua, a MPB na rádio, a cerveja na história, a erva para viajar, filmes bons, ler...

Não queremos muito. São sonhos possíveis. Os sonhos são humanos. As máquinas não desejam e o mercado não age por si. Os homens sonham, e seus sonhos realizam-se. Queremos produzir mais e mais? Não! A natureza é finita. Para que o mercado? Para que sermos clientes? Não. Esses homens estão loucos!

Como os desempregados franceses, exijamos a divisão da riqueza. Espalhemos a rede para o mundo, como fazemos com o futebol.

Preguiçosos de todo mundo, deitai-vos no movimento ocioso da rede.

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A comédia de erros

Glauceste Urano da Silva,

O governador Covas não deve ter visto os meninos da FEBEM Tatuapé ou mentiu ao falar para os pais dos adolescentes internados, que, no dia 27 de julho, após o levante de três dias, todos estavam bem lá dentro, à exceção do garoto que foi ferido na perna. O governador ainda empenhou sua palavra. Mas eu não a aceito porque também estive no Complexo Tatuapé no mesmo dia, vi e conversei com dezenas de internos das "unidades educacionais" 10 e 12, que traziam em seus corpos diversos ferimentos, inclusive na cabeça, causados pelo batalhão de choque da PM, na noite do dia 26 de julho e em 27 de julho pela manhã, segundo as próprias vítimas.

Covas errou, como ele mesmo assumiu, ao ter se omitido sobre como se tratam os adolescentes em conflito com a lei. E continua errando ao tapar os olhos ou mentir às pessoas que sofrem nos portões das instituição total, incomunicáveis com seus filhos.

Em seguida, todos os jovens adultos que ainda cumprem medida sócio-educativa por atos infracionais praticados quando eram menores de 18 anos, foram transferidos para o estabelecimento penitenciário do Carandiru. Nenhum deles cometeu um crime e foram postos ao lado de criminosos. Não há sequer um plano educativo para que esses jovens se reintegrem à sociedade.

O adolescente privado de liberdade não está privado de todos os seus direitos, ele deve ter acesso à educação, a cursos profissionalizantes, a atendimento médico e psicológico, à sua família etc. Assim, terá condições de reabilitação e poderá voltar ao convívio social na real condição de cidadão, no gozo de todos os seus direitos e com consciência de seus direitos.

Ao menos uma vitória foi obtida na justiça para desfazer o que o governo fez. Os jovens deverão voltar à FEBEM que, se não é o local mais apropriado às regras estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente, é o que temos. Covas, mais uma vez, ao invés de reconhecer a sucessão de erros e agir imediatamente, transfere-os lenta e gradualmente. Covas errou e continua errando. Seria cômico, se não fosse trágico.

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Jazz

Allan


Traços dessa geometria-gelatina
Fluindo no rádio à cabeceira
A blues-woman canta amigos
Beijos
Mãe
Atos paliativos quaisquer

Jazz incessante no decorrer aberto dos dias
Harmonias. Contrapontos.
Convicto
Que todas as incertezas são coerentes
Como o caos
Coerentes
Com o sorriso do Sol
Das chilenas
Com vermelho
Com as geladeiras feitas para guardar poemas

Os paliativos com que nos ocupamos,
As respostas das agulhas
Na música da cabeçeira
Sorridente e triste,
Guardamos e desfrutamos em nossas orações
Reverenciando o Deus-Absurdo

Tempo e espaço cortados
Sangrar e sorrir
Face guardada à parede de um beco
Visão descobrindo um espelho
Perspectiva ensandecida
Contrabaixo noturno
Dizendo não às mentes sãs
Sua linha fulgurante
Quebrando os grilhões estáticos dos olhos
Buscando uma senha provisória
Buscando vida além
das luzes azuis
além das salas
além dos diabos que nos carreguem

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Coluna do Edi

Edi Leal Fadiga da Silva

Estamos vivendo uma farsa. Enquanto estamos aqui soletrando as ultimas noticias da nova era nos excluindo de ser motor ou possuir qualquer voz ativa, está acontecendo um processo quase irreversível de um massacre econômico e exclusão social, miséria, fome, falta das condições mínimas de direitos humanos e de um uso excessivo das forças armadas em condições tão democráticas como as que podemos encontrar aqui em América Latina. E disto que chamamos desenvolvimento hoje, não creio que possa trazer gargalhadas um dia. E ainda vem um desses presidentes brasileiros me dizendo que a culpa é do FMI. A culpa é da revolução socialista que se conspira no Brasil! Bem que o governo poderia já ter liberado aquelas terrinhas logo, pois assim o “preju” seria menor aliviando o orçamento do exército em possíveis rebeliões futuras.

E que me dizem desses detentos das Febém’s e similares, que desde dentro da guerra de asfalto produzem as maiores estatísticas das grandes cidades em todo o terceiro mundo sem que nenhuma justiça se ocupe realmente deles.

O bom da globalização é que vamos poder viver no mesmo globo os vários tipos de mundo. Será uma suite com vista para a favela, não há mesmo terras nesta era virtual, cheia de informação formal por onde passarão vários Pilatos fazendo o sinal da cruz ao final da campanha.

E lhes garanto que não será por falta de benção que a ORDEM não chegará ao Congresso pois este é o PROGRESSO abençoado por todos os seus santos, padrinhos, coronéis com os quais religiosamente ajudam a lavar as escadarias da memória brasileira.

A farsa da continuidade, agenciando um privilegio aqui outro acolá, a farsa do jeitinho brasileiro e do salário mínimo na mesma bunda. Haja bunda Brasil!

Fica antenado pessoal, se liga que há um boi na linha do povo. Alias, falando nisso repararam as antenas novas da USP? Sublocação virtual. Por isso eu gosto desse berço da tecnologia brasileira é que sempre trazem as novidades da moda.

Aguardem novas noticias a qualquer momento aqui na coluna do Edi (é sem acento.....).

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Usp - 2000

Boi de Cara Preta da Silva,
desempregado em Filosofia pela PUC/SP

Caros colegas, esta é a universidade do futuro. É o produto final do Sistema Educacional Internacional e talvez por estarmos tão próximos do seu processo digestivo não tenhamos nos mantido em movimento frente ao isolamento da FFLCH, à reforma educacional, ao policiamento, às câmeras, ao fim da venda de cervejas, à perda de autonomia e independência dos CAs, à taxação indireta dos estudantes e à esterilização social.

Ficamos parados frente ao movimento convulso da sua digestão.

Em nome de alinhamentos com o pretenso progresso da modernidade e com as suas exigências econômicas de amplo espectro neo-liberal, tudo acaba sendo legislado dentro da maior soberania popular, que evidentemente é marcado pelo abuso de poder e os monopólios fechados.
Nesse nosso moderno sistema democrático, existe um percebido aparelho repressivo que vigia, pune, corrompe e mata (até crianças); e que aliado ao judiciário nos ajuda a separar o que é público do que é privado. A balança do leilão.

Se assim é, então qual é a nossa participação real nesta divisão eqüitativa do poder?

Vemos pelo contrario que a comunidade uspiana se restringe a docentes, alunos e funcionários; ignorando a sua própria história na vizinhança.

Enquanto isso no interior do monstro, há instalações estudantis que não reúnem condições de segurança mínimas.

Mas nem tudo são lágrimas, dentro da USP também há luxuosas instalações destinadas ao uso e à manipulação militar que mexe com material radioativo e atômico. Se perguntaram já porque a marinha pode gerir um espaço público e o CA não?

E o melhor de tudo é que ainda resta à educação o recurso último de formação de mão-de-obra qualificada, adequar-se a este "sistema". Educação básica. Preço básico.

A universidade não é um grande estacionamento, nem espaço aberto a licitações ilícitas, e sim um espaço comum a toda cultura espalhando seu centro em toda parte.

E enquanto se desrespeitam direitos básicos de cidadania, caros colegas, nós, os formadores de consciência, estamos ocupando espaço e caminhando conforme os desígnios da Ordem Vigente.

Não fique parado refletindo sobre a grandiosidade desta universidade que os acolheu e na complexidade da sua estrutura alimentícia. Mantenha-se em movimento, ou nesse intestino você também pode virar cocô.

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Retroceder é preciso

Alegria do Povo da Silva

O brasileiro nasce com um sonho: ser craque de futebol, ficar rico, poderoso e conhecido, bastando para isso ser dedicado. Conhecido poderá "descolar" uma "boa loira" para com ela construir um "Patri-Matrimônio".

Nem esse sonho o brasileiro vai mais poder ter. Acabaram com o futebol - faz tempo, é verdade - fazendo "evoluir" a revolucionária co-gestão entre a Parmalat e a SE Palmeiras.

Menos pior que, no país dos desempregados, os jogadores, num futuro já bem próximo, poderão transformar-se em camelôs de produtos, por exemplo da "nova" marca de sabonetes e outras quinquilharias chamada Corinthians, idéia esta "genial" do fanático torcedor alvi-negro Washington Olivetto.

Não se pode desprezar a possibilidade de o Corinthians vir a pagar direitos trabalhistas de algum jogador, no futuro, com toneladas de sabonetes, após devidamente penhoradas por algum advogado. O que já garantiria uma boa quantidade de "novas" barracas de camelôs, gerando "empregos".

A W/Brasil de Olivetto foi contratada pela Corinthians Licenciamentos Ltda., que detém 85% das ações e controla o futebol do clube, preocupada que está com a imagem do Corinthians, certamente uma "evolução" se comparada à arcaica co-gestão citada.

Daqui a pouco vão acabar vendendo o que resta do Corinthians em nome da "modernidade" e, quando se derem conta, Corinthians vai ser sinônimo de aparelho de barbear.

Pior para os torcedores dos outros clubes tradicionais que serão obrigados a consumir Hambúrguer Corinthians, ou Fio Dental Corinthians ou ainda Absorvente Íntimo Corinthians.

Agora que sabemos que o mundo não acabou ontem, imaginem-se num acampamento na mística São Tomé das Letras (MG):
"- Marina, por favor pegue lá o Corinthians que eu quero fazer a barba"; ou então:
"- Marina, traga-me o Corinthians que o meu já está na hora de trocar (absorvente íntimo). Obrigada!"

Quando por acaso as Panelas Corinthians já tiverem alcançado notoriedade, outras marcas tenderão a "evoluir" para a extinção, gerando mais monopólios e o que é melhor, no Brasil dos 500 anos: mais desempregos!

Retroceder é preciso! Onde estará o futebol?

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Mas eu devo o quê?...

Pérola Negra da Silva

"Consta nos registros de nossa empresa o não pagamento da prestação do presente mês. Pedimos a regularização dessa dívida..."

Mas eu devo o quê? Trabalho voluntariamente com educação de jovens e adultos e no entanto continuo devendo. Devo para quem? Para empresas privadas que conseguiram me empacotar em um pequeno apartamento. Devo para empresas privadas que me ofereceram uma gama de aparelhos de comunicação como telefone, celular, pager e no entanto comunicar-me com as pessoas é de uma dificuldade grande. Devo para empresas de TV paga, para os serviços condominiais, para o convênio - saúde. Tudo é privado, tudo se transforma em privado. Apenas as pessoas que não têm carteirinha empresarial são privadas de sua sobrevivência. E o que importa? O privado ou as pessoas? Resolver a burocracia ou resolver as privações das pessoas? Tempos difíceis e ninguém vai para o inferno, pois está nele.

Estamos sem casa, sem assistência médica, sem comunicação, sem escola, sem carteirinha. Pedimos a regularização dessa dívida.

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OUTRAS LETRAS

Kimbanda da Silva
desempregada em Literatura pela PUC/SP

No mais profundo desconhecido também cria-se literatura. E, inclusive, em língua portuguesa. Falo dos 5 países africanos de língua oficial portuguesa - Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe -, nos quais há literaturas belíssimas, portadoras de contribuições fundamentais, para as quais urgem acesso e atenção maiores. Olhar para elas, aproximar-se delas. Entre as diversas razões possíveis de se apontar para tal, elas trazem a nosso alcance realidades outras, através de uma língua portuguesa transformada, apropriada também por estes países. Língua que não é só de Portugal e Brasil, portanto. As literaturas africanas de língua portuguesa foram intensificadas junto aos processos de construção das identidades e independências nacionais - anos 1940 - e hoje estão em presença da complexidade do pós-independência. A extrema euforia passou; a reflexão é intensa. A(s) utopia(s) recebe(m) duros golpes, fragiliza(m)-se. Diante dos novos problemas e questões, muitos ainda não pensados, há que criar novas possibilidades, paulatinamente. Utopias transformadas. Sem esquecer as especificidades africanas (e latino-americanas...). Para tanto, a literatura é essencial, um campo aberto às idéias e aos sonhos. Outros sonhos. Novos. Afinal, não disseram tudo. Ainda há espaço para a criação. Não previram tudo e nós queremos criar.

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Os assassinos de Márcio e Brigite

Vez por Outra da Silva

“Márcio e Brigite foram assassinados!”, era a mensagem enviada pelo pager para aquela que, por tê-los primeiramente introduzidos no CRUSP, era considerada sua cuidadora, aquela que os levava para a vida... Na operadora, o rapaz que transmitia o recado recusava-se a passá-lo duas vezes, “devido à drasticidade da mensagem”, enquanto no outro lado da cidade um beep soava e a indignação começava a permear entre aqueles que os conheceram mais de perto.

Sim, porque desde aquela noite do dia 28 de agosto de 1999, eles eram parte da vida aqui. Participaram de festas, eventos culturais, ou mesmo das típicas baladas de última hora, para as quais tinham sempre lugar garantido atrás de um véu sob luz, sobre um móvel, no chão, ou mesmo em cima das árvores. Fora do agito, enfeitavam apartamentos, serviam de manequin para roupas, chapéus e toda sorte de penduricalhos que ora lhes punham, ora lhes tiravam, para não os aborrecerem com a mesmice da rotina.

Certamente eram sempre os primeiros a ser notados em qualquer ambiente que estivessem. Havia sempre alguém a ajeitar-lhes um adereço, mudar-lhes a posição, separá-los ou juntá-los num sexo forçado e explícito, ou mesmo bolinar os peitos de Brigite, que também alternavam em cobertos e desnudos, tudo para satisfazaer o nosso bel prazer.

Mas não foi sempre assim. Antes de sua chegada ao nosso reduto, Márcio e Brigite já tinham muitas estórias vividas juntos. Márcio fora encontrado no lixo e trazido para casa pelas mãos da irmã de nossa amiga em questão, que a presenteou. E Brigite veio logo em seguida, também, doada por um amigo de sua mais alta estima.

Daí ganharam o mundo... Já nessa época, foram levados para a PUC, onde permaneceram no CAFIL por longa data, participando da política estudantil, aconselhando votantes, ponderando decisões, servindo de ombros amigos aos que entravam e saíam do local.

Muitas foram as atividas das quais participaram: foram à SBPC de 96 – conta-se desse episódio que foram barrados na abertura, pois havia pessoas “muito importantes do governo”, mas, já no dia seguinte, participaram de todas as atividades do evento, inclusive do Projeto Equilíbrio, e agradaram a todos os mortais não governamentais -; tomaram parte em todas as festividades e comemorações dos cinqüenta anos da PUC; juntaram-se aos aventos culturais no Minhocão, onde foram fotografados por niguém mais, niguém menos que Sebastião Salgado; e lá estavam eles também na campanha contra a AIDS, por ocasião da Feira da Pompéia de 97. Foi nessa época, ainda, que se deu o hilário acidente. Luíza Erundia, ex-prefeita de São Paulo, fora visitar a universidade católica, e encontrou-se com nossos amigos, até posando para foto com Márico e José Eduardo Cardoso. Foi quando passa pela “curva do rio” (aquela rua sinuosa que separa os dois lados da universidade), que alguns alunos revoltosos com sua visita iniciaram uma confusão e lá se foram os braços e pernas de Brigite, mais à mão para ajudar na pancadaria, deixando-a como a conhecemos quando aqui chegou.

Mas tal fato nunca a impedia de desfilar, ao estilo Vênus, todos os modelitos com os quais já fora presenteada – e, diga-se de passagem, suas roupas até mesmo foram emprestadas por algumas de nossas amigas daqui, tão de bom gosto lhes pareceram. E se tivessem que ficar nus, faziam-no confortavelmente, exibindo somente os novos tons com os quais vez por outra os amigos lhes enfeitavam. Sim, porque sempre foram alvos de pinceladas das mais diversas cores (e até de todas juntas!).

Por isso nossa indignação foi tamanha! Pois nosso amigo mal podia acrditar ao descer as escadarias de seu bloco e deparar-se com somente as cinzas do que foram Márico e Brigite, ali,coincidentemente no mesmo lugar onde primeiramente chegaram. E o que sabiam jamais poderia ser argumento para uma “queima de arquivo”. Sabiam apenas nos encantar. E quem assim procedeu, certamente tinha a dimensão de que eram parte de todos nós, e sucetíveis aos nossos caprichos. Eu que os conheci bem, tomo como minha parte, prestar-lhes esta homenagem, e lembrar seu eterno amor, não sem um tanto de tristeza, por dias de mais respeito e paz.

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DEBATE

john fante
clique aqui

O texto abaixo, publicado no número 2 do zine Epidêmico da Silva, provocou a reação da leitora Claudia Teófilo, que escreveu uma missiva para o autor. Depois do ler o texto, clique no link para acompanhar a contenda.

Crusp Credo Cristão

Apreciador de Varais da Silva,

Já se fez memória e razão de exposições os reverenciados, dourados e quase mitológicos anos de resistência à ditadura e retomada da moradia estudantil. A cara da moradia, seus moradores e idéias predominantes, sempre refletiu sua configuração político-institucional. Hoje, sete anos depois da invasão do penúltimo bloco, o bloco D (o último será onde é a atual reitoria), continuamos com cães e gatos, o número de crianças cruspianas cresce geometricamente, a autogestão não vingou, a conjuntura internacional deteriora-se e leva consigo os últimos suspiros do sonho de uma nação... Não bastasse, agora temos missa no CRUSP, lá na sala de reuniões da COSEAS. Significativa constatação da aliança Estado-Igreja. Aliás, como será que se definirão os cristãos daqui? vão aí algumas sugestões: Comunidade Cristã Cruspiana, Cu do Cristo Cruspiano, Crusp Cristão do Caralho, vai gostar de CCCs assim lá na casa do Capeta! Cristóides, tristóides, sejam ao menos hare-khrisnas, ocupem o espaço público no meio dos moradores, tragam música e alegria, alimentem a carne para que esta possa pensar no espírito. Como já dizia o velho Raul: “...chega de reza, terço e oração... eu quero ver vocês em ação...”.

Clique aqui para ler a missiva enviada ao autor do texto e a resposta do Apreciador de Varais da Silva

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Entrevista com Pepetela

Por Rouge da Silva

O escritor angolano Pepetela, ganhador do Prêmio Camões de 1997, foi guerrilheiro durante a luta pela libertação de Angola e, após, Vice-Ministro da Educação. Hoje, além de escritor - romancista, principalmente -, é professor de sociologia em Luanda. Em 5 de maio a repórter Rouge da Silva entrevistou-o.

da Silva: Primeiramente eu gostaria que você apresentasse um pouco para as pessoas como está a situação atual da guerra em Angola.
Pepetela: Essa guerra já dura mais ou menos há 40 anos. Mas a última fase da guerra tem sido uma guerra civil. É uma guerra civil, fundamentalmente entre dois partidos políticos, e muito violenta, sobretudo depois que houve as eleições em 1992, em que um dos partidos ganhou as eleições: o MPLA, que já estava no governo, continuou portanto no poder. E o partido de oposição armado [a Unita] não aceitou o resultado das eleições e recomeçou a guerra. Agora, a fase atual da situação é que há um abrandamento, um abrandamento grande da guerra. Porque houve de facto uma vitória militar, digamos do governo, ou do exército governamental, sobre esse partido de oposição, em termos de guerra clássica, convencional, com canhões, com material pesado e tal. Houve uma derrota grande desse partido. E esse partido passou agora para uma guerra de guerrilhas, portanto pequenos grupos, com armas muito ligeiras e atacando posições geralmente quando sabem que não está lá a polícia, não está o exército. Uma guerra de guerrilha sobretudo com alvos civis. E o líder [Jonas Savimbi], segundo informações que há, que se diz, é que está cercado e poderá ser apanhado, a qualquer momento. Portanto, talvez, talvez haja uma situação, é uma situação nova, de levar a um grande desequilíbrio militar e pode ser que isso leve a um acordo definitivo de paz, de paz definitiva. E há uma série de iniciativas nesse sentido, de fazer com que se volte a discutir o assunto e se chegue à paz. Agora, o grande problema é que o..., há um problema político no fundo e muito particularmente um problema até de repartição da riqueza, quer dizer, há uma concentração grande da riqueza na capital, o resto do país está quase que abandonado, né? E portanto, pode mesmo chegar a ser uma situação de paz, digamos de não guerra, né?, mas isso não resolver, quer dizer, continuar a haver uma grande tensão social, com muito desemprego, muita miséria, e ao mesmo tempo muito ricos, ou melhor, pessoas muito ricas, não é? Poucas pessoas muito ricas a conviver, e portanto, bom, partiremos para um outro tipo de guerra, no fundo. Essa é a preocupação, penso eu, a preocupação agora realmente é chegar a uma paz que seja de facto uma paz, que dê para que a sociedade se refaça, de forma mais justa.

da Silva: Gostaria que comentasse a reação da grande maioria da população à guerra, se há manifestações etc.
Pepetela: A população é claro que... a população é contra a guerra e quer a paz, né? Toda população precisa de paz, e quando há tantos anos de guerra está toda a gente cansada, sem dúvida alguma, né? Agora, muitas vezes não tem a capacidade de manifestar esse desejo, não é? Mas, vão aparecendo setores, certos setores que vão manifestando isso, ou na imprensa, ou em debates, ou manifestações. Por vezes há, umas pessoas juntam-se e passam pelas ruas pedindo a paz etc. Ou no seio das igrejas, sobretudo aproveitando um pouco a proteção que as igrejas dão, para pedir e para debater essa questão da paz. Realmente há uma série de iniciativas nesse sentido, e eu penso que a sociedade está cada vez mais, vai fazendo cada vez mais pressão nesse sentido, junto..., junto duma das partes, porque a pressão realmente é feita junto do governo, não é? Mas, era preciso também que se pudesse fazer pressão sobre o outro lado, né?, mas aí tem sido a pressão militar, só.

da Silva: Qual é o posicionamento dos intelectuais frente a essas questões?
Pepetela: Bom, eu penso que os intelectuais também querem a paz e..., mas tem havido alguns que tomam posição pública, outros estão mais calados, não é? Mas, de um modo geral, eu penso que o intelectual tem que seguir o que o povo acha. O povo quer a paz e acabou, não há mais discussão.

da Silva: E quais são as razões da guerra hoje?
Pepetela: Não, hoje a guerra é apenas uma luta pelo poder, mais nada, né? Quer dizer, bom, um partido perdeu as eleições, devia ter aceitado esse jogo democrático, ficava na oposição durante 4 anos, havia novas eleições e ia ganhar, o mais certo é que ganharia assim. E, bom, não quis!... E também nunca mais houve eleições, porque houve mais guerra, nunca mais houve eleições (riso). Mas é só uma luta pelo poder. Já não há diferenças ideológicas, étnicas ou o que seja. Não há, é só luta pelo poder e acabou.

da Silva: Para finalizar, o que seria realmente a paz em Angola? Que tipo de idéias, projetos, propostas ela envolveria para estar se realizando efetivamente?
Pepetela: É, muito resumidamente eu diria que era preciso haver uma repartição mais correta da riqueza nacional, que é grande. Angola é um país com muitas possibilidades, mas a riqueza está muito mal repartida e, aliás, quem explora, quem aproveita essa riqueza são os estrangeiros, nem são os angolanos. Ah..., teria de haver portanto uma maior, digamos, igualdade nas próprias regiões do país, ah..., uma ligação maior entre as cidades e o campo. Ah..., e uma valorização, uma valorização da maneira de pensar e os desejos das populações que têm sido as mais marginalizadas por todos esses processos, quer dizer, que são as populações camponesas, e que têm sofrido mais com a guerra, não é? Porque nem podem cultivar, muitas vezes, porque os terrenos estão cheios de minas, não é?, etc. É, e que têm muita coisa para dizer, e a maior parte das vezes nunca têm voz para isso. E um pouco eu acho que os próprios escritores têm que assumir de uma vez por todas isso, que eles sejam a voz dessas populações que não têm voz.

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