A porta abriu e lá estava Iris. Tirei a folha da maquina e deixei ela de lado, com o texto pra baixo.
– Olha, Hank! Comprei o sapato de biscatão!
– Maravilha! Maravilha!
– Vou botar pra você ver! Tenho certeza que cê vai adorar!
– Vá nessa, baby!
Íris foi pro quarto. Escondi a carta pra Tanya sob uma pilha de papeis. Iris saiu do quarto. Os sapatos eram de um vermelho-briIhante, com saltos escandalosamente altos. Parecia uma das maiores putas de todos os tempos. Os sapatos, abertos atrás, eram de material transparente, deixando os pés à mostra. Iris andava de lá pra cá. Ela tinha um corpo ultraprovocativo, com toda aquela bunda; os saltos faziam tudo aquilo subir aos céus. Era de enlouquecer. Iris parou e me olhou por cima do ombro, sorrindo. Que putinha maravilhosa! Ela tinha mais quadris, mais bunda, mais barriga-da-perna que qualquer outra mulher. Fui correndo preparar dois drinques. Iris sentou e cruzou bem alto as pernas. Sentou numa cadeira, em diagonal comigo. Os milagres continuavam acontecendo na minha vida. Não conseguia entender.
Meu pau estava duro, latejante, pressionando minha calça.
– Você sabe o que os homens gostam – disse a ela.
Acabamos de beber. Levei-a pro quarto pela mão. Suspendi seu vestido e puxei sua calcinha. Trabalho complicado. A calcinha enganchou no salto do sapato; acabei conseguindo desembaraça-la. Os quadris de Iris ainda estavam encobertos pelo vestido. Levantei-a pela bunda e puxei o vestido pra cima. Já estava molhada. Senti com os dedos. Iris estava quase sempre molhada, quase sempre a fim. Ela era um barato total. Estava de meias de nylon longas com ligas enfeitadas de rosas vermelhas. Enfiei o troço no molhadinho. Suas pernas estavam suspensas no ar; eu acariciava ela e via aqueles sapatos de biscatão nos pés dela, os saltos vermelhos espetados como punhais. Iris ia ser agraciada com outro papai & mamãe a antiga. Amor é pros guitarristas, católicos e fanáticos por xadrez. Aquela vaca, com aqueles sapatos vermelhos e meios longas – ela merecia o que ia receber de mim. Tentei rasga-la ao meio, racha-la em duas metades. Olhei aquela cara meio índia, estranha, na branda luz solar que se filtrava timidamente pela persiana. Era um assassinato. Eu a possuía. Não tinha como escapar. Eu carcava e urrava, dava-Ihe tapas na cara e quase arrebentei ela pra valer.
Me surpreendeu que levantasse sorrindo pra ir ao banheiro. Parecia quase feliz. Os sapatos tinham caído ao lado da cama. Meu pau ainda estava duro. Peguei um sapato dela e esfreguei no meu pau. Era ótimo. Dai, botei o sapato de novo no chão. Quando Íris saiu do banheiro, ainda sorrindo, meu pau amoleceu.
Nada de mais aconteceu ate sua partida. Bebemos, comemos, trepamos. Não teve brigas. Demos longos passeios de carro pela costa, comemos em restaurantes de pratos do mar. Nem me preocupei em escrever. Tinha épocas em que o melhor era ficar longe da maquina. Um bom escritor sabe quando deve parar de escrever. Qualquer um e capaz de datilografar. E eu nem era um bom datilógrafo; era mau também em ortografia e gramática. Mas sabia quando deixar de escrever.Era que nem trepar. Você tinha de dar um tempo pra divindade, de vez em quando. Eu tinha um velho amigo que de vez em quando me escrevia, o Jimmy Shannon. Ele produzia seis romances por ano, todos sobre incesto. Não admirava que estivesse passando fome. Meu problema e que eu não conseguia sossegar a minha divindade caralhal, do jeito que eu fazia com a minha divindade datilografal. Isto porque a oferta de mulheres era sazonal, e você tinha de aproveitar e transar o maior número possível, antes que a divindade de algum aventureiro entrasse no meio. Acho que o fato de eu ter abandonado a escrita por dez anos foi a melhor coisa que poderia ter-me acontecido. Alguns críticos, imagino, diriam que foi a melhor coisa que poderia ter acontecido aos leitores também.) Dez anos de descanso pros dois lados. O que aconteceria se eu parasse de beber por dez anos?
Então, chegou a hora de embarcar Iris no avião. Era um vôo matinal, o que complicava um pouco as coisas. Eu estava acostumado a acordar ao meio-dia; era uma excelente cura pra ressaca e me acrescentaria cinco anos de vida. Eu não estava triste ao leva-la pro aeroporto internacional de L.A. O sexo tinha sido legal, divertido. Não conseguia me lembrar de outra historia tão civilizada. Nenhum de nós ficou fazendo exigências; mesmo assim, não faltou carinho nem sentimento. Não foi na base da carne morta se acoplando a carne morta. Eu detestava esse tipo de swing sexual característico de Los Angeles, Hollywood, Bel Air, Malibu, Laguna Beach. Estranhos no primeiro encontro, estranhos na despedida – um verdadeiro ginásio olímpico de corpos anônimos masturbando-se mutuamente. Gente sem moral normalmente se considera mais livre, mas a maioria carece de capacidade de sentir, de amar. Então, viram swingers, num troca-troca incessante de parceiro. Morto fundindo morto. Nenhum senso de humor, nada de brincadeira no jogo deles – cadáver fodendo cadáver. As morais são restritivas, mas são fundadas na experiência humana através dos séculos. Certas morais servem pra encarcerar as pessoas nas fabricas, igrejas e submete-las ao Estado. Outras fazem sentido. E como um pomar repleto de frutos envenenados e bons frutos. O negocio é saber qual apanhar pra comer, qual evitar.
Minha experiência com Iris tinha sido deliciosa e plena, embora nenhum estivesse apaixonado pelo outro. Era fácil de deixar-se envolver e difícil de evitar isso. Eu me deixava envolver.
de Mulheres
Editora Brasiliense, 1984