Liberta do braço do marinheiro morto, a tatuagem dragão se lança na rua escura e fria. Busca um peito, um dorso, lugar qualquer onde possa se aninhar, onde possa espiar as presas, onde possa se guardar enquanto o fogo não vem. Azul, insinua-se , entre as sombras do beco, pulando latas de lixo, bêbados falantes, drogados mudos, prostitutas infantis de peitos duros e miolo mole. Uma sirene corta o silêncio e como zumbis, os habitantes da noite se encolhem no escuro. Ambulância, levando uma bala agonizante, que não encontrava saída num crânio envelhecido pelo pó , e que se metera numa briga de gangues. O dragão amarela e se deixa flutuar na fumaça do cigarro que o crooner do cabaré barato fazia parecer um solo de sax … Róseo, agora com fome, o dragão avança pelo asfalto mal iluminado, buscando pele para se pregar… braços, torso, costas, tornozelos e nucas, ocupados por pássaros, sinais estranhos, navios e cavalos alados… lugar algum onde ficar… Verde, o dragão se percebe no refletir do vidro… ectoplasma pálido, quase sem forma… Vitrine mostra manequins magricelas com calcinhas meteóricas e casacos de pele… Pena que não é pele de gente. Dragão, agora roxo, sente frio. E atravessando o arco das íris dos insensatos que o percebem na noite, vislumbra um pedaço de carne pulsante e branca onde sente que pode pousar e vai. Balança asas gélidas, pescoço desossado se insufla, olhos flamejam quem sabe a última fagulha. Atira-se, em queda livre, na aquarela da pele que parece morna…
Dia seguinte, no posto policial, a mendiga nega ter queimado a bunda magra do seu filho desnutrido… A ferida em forma de dragão suspira feliz e dorme entre as fraldas.