Pesadelo 1
Bem, vim passar fome num lugar mais quente por causa da praia e me parecia que tudo estaria perfeito se tivesse um outro livro comigo. Escrevi pois à minha mãe (encontrei papel) e disse para ela Posta Restante e depois voltei para a praia e esperei. Noites bastante quentes para dormir e pescar tudo ótimo um poema escrito de tempos em tempos e depois pareceu tempo suficiente e voltei ao correio.
Uma encomenda disse um livro em meu nome e eles disseram identidade por favor. Procurei pelos bolsos mas uma onda de sorte levara os papéis com meu nome.
Por favor, disse, por favor por favor por favor. Um livro dentro, Rimbaud, abram e vejam abram pelo amor de deus por favor. Desculpe disseram mas por que não vai em casa disseram e apanha sua identidade.
Está certo disse vou pedir àquela onda na próxima vez que a encontrar mas agora me deem esse embrulho.
Desculpem disseram e puseram-no na estante
no alto
atrás de uma tela de arame. Rimbaud ali e talvez comida enfiada provàvelmente em volta. Imagina voce salame e latas com comida. Por favor disse por favor bom até logo.
Até logo disseram.
Pesadelo 2
Tendo uma casa mais limpa do que a usual lavei os pratos. Juntando aquelas minhocas compridas, espaguete do dia anterior, joguei-as da pia dentro da lata de lixo quando uma escorregou e caiu no chão e ali ficou rindo-se de mim.
Rrruuu disse mas tendo um chão mais limpo do que o usual tentei pegá-la e foi quando ela me escapuliu molemente para um lado e Jovialmente riu-se de mim. Após dez minutos de tentativas desisti, com as mãos mais sujas do que o usual.
Ah bom disse debaixo da torneira aberta ela estará dura como um prego essa noite a porca e eu a catarei como um palito. Foi quando olhando novamente para o chão vi uma fileira de baratas luzidias transportando a minhoca e cantando Para “A Frente Baratas Cristãs”.
A algazarra era insuportável e fiquei apavorada olhando para a cena até que uma barata maior, a chefe indiscutivelmente, encostou em mim para ver se também eu podia ser arrastada.
Pesadelo 3
Passei horas fascinadas observando uma jovem maripôsa aquecer-se na chama de minha dispensável vela boemia.
O que estava perfeito até que ela desistiu das voltas e resultou disso um estalido seco encaracolado no interior de uma pequena fumaça.
O que estava perfeito até que uma segunda maripôsa saltou voando do teto e gritando “Dido” seguiu o destino da primeira.
Pesadelo 4
Muitos dias com fome despejei num prato a carne picada de aspecto duvidoso provàvelmente comível, espero que sim, e saí à procura de um fósforo.
Volto com a frigideira mais ou menos lavada e não encontro a carne, a gata sim, a carne não. Sua – nojenta disse e a esborrachei com a frigideira esmaguei seus ossos pràticamente morta e deixei-a para me entregar às lágrimas. Chorei na cama piolhenta gritei e chorei para te-la de volta e na ponta dos pés fui à cozinha apenas para ver e ter certeza.
Em cima da mesa ainda achatada agora dura está a gata morta totalmente não mais com fome agora, e as marcas de sangue coagulado no chão indicam que ela saiu para apanhar o que está agora além de sua refeição (ela pensou) para mim, um camundongo que ela matou e morreu.
Pesadelo 5
Ban ban ban
Quem é perguntei
A pessoa diz ele que veio desligar o gás
Desculpe disse mas estou na cama volte mais tarde por favor.
Eu espero disse ele.
Está bom disse e lhe dou 57 horas e 40 minutos para ele desistir. Saio então, apressadamente, em direção ao banheiro.
Olá diz ele
Olá digo
Desculpe ser obrigado a desligar o relógio diz ele. Tenho que ganhar a vida diz ele. Tenho uma família.
Eu sei disse é sempre o que voces dizem e vão em frente. Quando voce sair vou arrancar esse maldito selo.
Não vai conseguir diz ele agora é feito de uma nova liga. Gastaram 30 milhões de dólares para fazer essa liga. Não há jeito de arrancar diz ele.
Está bom disse faça seu serviço e vá para casa. Vou ao banheiro. Eu fui, ele fez, foi embora, subi numa cadeira. E tentei cortar o selo martelo formão tentei de nôvo escorregou quebrei as unhas tentei tentei cortar tentei. Sopa para cozinhar.
Doze horas depois fui ao farmaceutico. Olá disse tenho uma conta a pagar de uns comprimidos de benzedrina de-me um vidrinho de ácido fluorídrico.
Olha disse ele não sei se posso. Comprimidos é uma coisa disse ele mas esse negócio de ácido é outra coisa.
Seja bonzinho disse preciso fazer a comida e eles selaram o relógio do gás voce sabe comida voce entende.
Está bom disse ele mas cuidado.
Pingo.
Buraco também na mesa, no chão, talvez no andar de baixo não sei mas buraco no selo também lata de sopa aberta. ôba.
Mas vejam só não tenho fósforo uma piada o gás ligado e não tenho fósforos não faz mal. Gás não falta mas não tenho apetite.
Pesadelo 6
Tire seu pescoço cortado da minha faca.
Pesadelo 7
Um dia esqueci-me da manga do casaco e meu coração espetado no meu braço fazia um buraco ali.
Descobri 50 cents no bôlso não mais; na Rua 42 procurei um filme que agradasse.
Até que o mais belo deus que existe eu creio postou-se na minha frente e sorriu sabendo de tudo e mais do que tudo.
Voce está com pressa disse ele e eu sorri porque ninguém com pressa teria mais pressa do que em ve-Io e ele sabia disso. E ele sorriu sabendo de tudo e reconhecendo simplesmente sim isto é sei que existe gente espalhafatosa e sofrida mas não nós. E andamos os tres, ele eu e nossas mãos entre os dois e ele tinha um quarto onde o teto dançava para mim dançou a noite inteira.
Até que acordando na manhã seguinte e bocejando com dentes mal tratados ele disse então boneca quanto voce quer?
Pesadelo 8
Estava pois na fila dos desempregados verde instituição sala verde gente verde vagaroso avanço. Então para o homem na minha frente disse o funcionário atrás do balcão, dobrando os papéis chateado e colando seIos.
Aqui estão senhor suas vinte razões para viver.
Pesadelo 9
Vamos andando disse o guarda. O jardim fecha às nove vamos andando santo deus. O que voce está pensando que o jardim é seu?
Não diz nada hein não quer sair hein? Veremos. Mando-a para a clínica uma semana de choque lhe fará bem aposto. E dito isso apita.
Depois do que um carro branco surge, brancos assistentes que põem mãos à obra sem nenhuma emoção. Não era a primeira vez que via uma árvore catatônica.
Pesadelo 10
Eu vi com meus olhos, eu li nos seus nojentos jornais: “Estação aberta para pessoas de mais de 21 anos de calças blue jeans ou sapatos de tenis, homens com batom, mulheres de cabelos curtos, atores desempregados, poetas de todas as condições. Gratificação por pessoa 10 dólares. Viciados em drogas e músicos de jazz cinco dólares extra.”
Voce pode dizer que estou louca mas isso não quer dizer que esteja maluca. Pergunte a qualquer chofer de táxi.
Pesadelo 11
Preciso realmente de um novo ralador. Toda vez que me esqueça e passo-o no rosto os legumes que raIo no dia seguinte ficam amarelados e esquisitos…
Pesadelo 12
Fui ao pronto socorro. Torci o pé disse. Qual é seu nome disseram e a idade e quanto ganha e quem é o dentista de sua família.
Respondi e disseram para esperar e eu esperei e eles disseram pode entrar e eu entrei.
Abra o olho disse o médico voce tem alguma coisa na vista.
Eu torci o pé disse.
Abra o olho disse ele e eu abri e ele tirou o globo ocular e lavou-o na pia.
Toma disse ele e ponha-o no lugar sente-se melhor não é verdade? Creio que sim disse. Está tudo escuro não sei. Torcí o pé disse. Pisque por favor disse ele uma de suas pálpebras está sôlta. Acho que disse que tem alguma coisa errada com meu pé.
Ah disse ele. Talvez voce tenha razão. Vou amputá-lo.
Pesadelo 13
Dói ser assassinado.
De Geração Beat – Antologia
Org. por Seymour Krim
Editora Brasiliense, 1968.
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