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Entrevista para a PLAYBOY

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Por Kiko Nogueira e Helena Fruets, Agosto 2001

“Nosso primeiro encontro aconteceu no hall do hotel Caesar Park, no centro de São Paulo. GUTIÉRREZ apareceu com um paletó branco com listras azuis, barato. Reclamava do barulho que faziam os jogadores de futebol que estavam concentrados ali. Meio paranóico, queixou-se também que seu colega, o escritor espanhol Manuel Vásquez Montalbán, comunista e fidelista, o estava espionando no bar. No dia seguinte, num flat, estávamos todos mais relaxados. GUTIÉRREZ fumava um charuto, coçava a careca, tomava água e parecia contente com a vista da janela. Para a sessão de fotos, pediu uma camiseta de manga curta, para deixar à mostra a tatuagem no braço. Levei quatro, para que escolhesse uma. No fim, ele não devolveu nenhuma delas. À essa altura, já devem ter sido trocadas por rum, mulher ou até mesmo comida numa quebrada qualquer de Havana”.

PLAYBOY – Em Trilogia Suja de Havana, o narrador, que também se chama Pedro Juan, faz o diabo para sobreviver: vende latas velhas, trafica maconha, cria pombos para terreiros de umbanda, distribui fígado humano para restaurantes, pensando que é de porco. É tudo verdade?
GUTIÉRREZ – Aquilo é uma mistura de realidade e ficção. Eu não lidava com latinhas nem com fígado, muito menos humano. Vendia canecas, isqueiros, bonés. O livro foi escrito nos anos 90, período difícil para mim e para o país. Eu estava no meio de uma situação horrorosa. Tinha três filhos, dois dentro do casamento e um fora. Ao mesmo tempo, Cuba mergulhou em uma crise. Em setembro de 1990, a imprensa sofreu uma intervenção. Revistas e jornais foram fechados. Das 157 publicações que havia no país, não restam mais do que quatro ou cinco. Em 1991 começamos a passar fome. Não havia água, gás, sapatos, nada. Então acumularam-se duas crises: a cubana, dura, e a minha, ainda pior. De repente, fiquei sozinho em casa, sem uma cadeira sequer, sem carro, sem comida…

PLAYBOY – E como se virava?
GUTIÉRREZ – Eu tinha alguns amigos em Buenos Aires [na Argentina], em Bogotá [na Colômbia] e no México. Uma dessas pessoas foi minha mecenas, que pagou a publicação de meu primeiro livro de poemas. Trabalhava em uma revista e ganhava um salário de 3 dólares por mês. Se comprasse 30 ovos, o dinheiro acabava. E ainda vivia com meu filho adolescente. Pois bem. Esses amigos iam a Cuba e morriam de pena de mim – e eu morria de vergonha deles. Quando perguntavam o que poderiam fazer, eu pedia que quando voltassem aos seus países me enviassem coisas. Podia ser material de propaganda, como bonés e camisetas com slogans, o que fosse. Eles mandavam pacotes com canecas, isqueiros, chaveiros, porcarias que conseguiam em discotecas e bares. Eu revendia esses objetos para ter como sobreviver. Dava uma parte das coisas para a minha mãe, que me ajudava a negociar e me dava comida. Minha mãe sempre foi melhor negociante do que eu, por falar nisso. Eu era um zero à esquerda. Ela me chamava duas vezes por semana em sua casa e dizia: “Olha, consegui um pouco de arroz, feijão e carvão. Leva um pouco para você”.

PLAYBOY – Até carvão?
GUTIÉRREZ – Carvão. Em Havana não havia gás para cozinhar. Durante três ou quatro anos não se acendia fogo. Tínhamos que cozinhar com carvão vegetal, extraído do campo. Havia gente que esquentava comida na cobertura dos edifícios com fogueiras feitas de lascas de madeira. Outros se acostumaram com comida fria. Aqueles anos foram terríveis. Foi nesta época que comecei a escrever Trilogia Suja. Estava com demasiada raiva, uma enorme fúria interior. Tinha 44 anos, imerso numa crise gravíssima. Não estava preparado para essa filosofia de ganhar e de perder. Eu só ganhava. Tive instintos suicidas. Não via saída para mim e nem para Cuba.

PLAYBOY – Procurou ajuda?
GUTIÉRREZ – Até que tentei, mas não havia remédios, não havia nada no país, nem aspirinas. Repito: em Cuba, não há aspirinas! Minha fuga estava no sexo e no álcool. Todas as tardes eu bebia pelo menos uma garrafa de rum, fumava uns dois maços de cigarro e fazia sexo. Muito, muito sexo, com todo tipo de mulher. Brancas, pretas, gordas, magras, velhas ou jovens.

PLAYBOY – Seus livros não fazem referência direta à situação política de Cuba. Você tem medo de escrever sobre a ditadura de Fidel?
GUTIÉRREZ – Não gosto de falar de política por uma razão: ela é circunstancial. O que hoje é branco, amanhã pode ser negro e vice-versa. Pretendo fazer uma literatura mais universal, atemporal. Meus livros não contêm política, mas estão repletos de matéria humana, de sentimentos. Em 40, 50 anos as pessoas ainda poderão ler minhas obras. Hoje, Cuba tem um governo e amanhã pode ter outro. Isso não interessa para meu trabalho. Pode valer para o dia-a-dia, para a minha vida prática. Agora, de qualquer jeito, a literatura se contamina com o ambiente do escritor, ainda que ele não queira. Eu sempre me baseio na história do [escritor russo Fiódor] Dostoiévski, autor do romance Crime e Castigo. Ele o escreveu em uma situação política tenebrosa, quando a Rússia sofria com o czar. E mesmo assim Dostoiévski, que vivia nesse mundo tão pesado, no subúrbio de Moscou, escolheu não fazer um panfleto político, mas uma novela policial, de ação. No meu caso, não assassino os personagens, mas os coloco para trepar. Para que se divirtam um pouco mais e para que não morra tanta gente.

PLAYBOY – Qual é a sensação de ser um autor desconhecido no próprio país?
GUTIÉRREZ – Estou louco para que meus livros saiam lá. Faz alguns meses, publicaram um romance meu, que se chama A Melancolia dos Leões. Levei doze anos para terminá-lo. Não é um livro de realismo sujo, como estou acostumado a escrever. É realismo fantástico. Tem um pouco do tcheco Franz Kafka e do argentino Julio Cortázar – para mim, os dois maiores escritores do mundo. A capa eu mesmo desenhei. Saiu em dezembro e está vendendo bem. E agora estou negociando para ver se pelo menos publico alguns contos de Trilogia Suja de Havana. Um sonho dourado é que publiquem meus livros integralmente, que não sejam censurados, que não façam uma leitura política deles. Essa é questão: há gente que só vê sexo, outros só vêem pobreza e outros só vêem política nas coisas. Falta a esse pessoal a inteligência espiritual necessária para me compreender.

PLAYBOY – Em que momento despertou para a literatura?
GUTIÉRREZ – Aprendi a ler muito pequeno, aos 6 ou 7 anos. Minha tia era dona de uma agência de notícias. Seu escritório era lotado de livros, revistas, folhetos, gibis. Naquela época Cuba recebia milhares de periódicos do México e da Espanha. Isso foi antes da revolução, nos anos 50. Eu era viciado em histórias em quadrinhos. Lia umas 40 ou 50 por mês. Aquela mistura de verbalidade e de visualidade foi entrando em mim de uma maneira meio subconsciente, sem que eu me desse conta.

PLAYBOY – Alguém orientava suas leituras?
GUTIÉRREZ – Ninguém. Tudo estava ao meu alcance. Não tinha quem me direcionasse. Pegava livros em bibliotecas, casas de amigos, onde fosse. E ao mesmo tempo em que lia todos os grandes escritores, trabalhava com meu pai vendendo sorvete na rua. Vendia especialmente em brigas de galo, em que eram maiores a aglomeração e os lucros. Tinha uns 12 anos. As brigas eram divertidíssimas e, nessas ocasiões, eu ganhava mais dinheiro. Vivíamos muito intensamente em Matanzas, perto de Varadero [a praia mais famosa de Cuba, a 140 quilômetros de Havana]. No meio dessa loucura, refletindo um pouco agora, a leitura era como um escape, o meu momento de tranqüilidade, de meditação frente a tudo, de privacidade. Era um jeito de fugir do meu mundo de pobreza.

PLAYBOY – E quando começou a escrever?
GUTIÉRREZ – Assim que arrumei as primeiras namoradinhas. Tinha uns 14 anos e fazia poemas para elas. Uma delas gostou tanto e ficou tão feliz que me dei conta de que a literatura era um jeito de ganhar as mulheres. Quando cheguei aos 16 anos, fui para o exército e lá fiquei quatro anos e meio. Saí como especialista em explosivos. Se parar de ganhar dinheiro com literatura, já sei o que fazer. [Risos.]

PLAYBOY – Como era sua vida nos primeiros anos da Revolução Cubana? Você chegou a acreditar naquele projeto?
GUTIÉRREZ – [Enfático.] Claro que sim! Nos anos 60, a Revolução estava numa época linda, um tempo de esperança. Eu vivia com muita intensidade, fazendo coisas que a revolução pedia. Trabalhei cortando cana, como um escravo negro africano. Fiz três safras completas, de novembro a maio, acordando às 4 da manhã para trabalhar na lavoura. Havia universidades em todo o país e era muito fácil entrar em uma. Tínhamos 57 centros universitários funcionando. Isso, num país do tamanho de Cuba, era extraordinário. Claro que toda essa crença desmoronou nos anos 90, com a fome, a censura e o aperto generalizado. Mas nos anos 60 eu podia escolher qualquer coisa para estudar. Até que me dei conta de que, para ser escritor, o que necessitava era ler muito. Mas ler o que me interessava. E ter muitas mulheres.

PLAYBOY – Você escreve sobre mulheres fortes, decididas, calientes. Quando percebeu que elas teriam um papel importante em sua vida?
GUTIÉRREZ – Na infância. Tinha uns 8 anos quando me apaixonei pela primeira vez. Ela era uma puta. Eu morava em Matanzas, ao lado do bairro das prostitutas. Lá havia um lugar que se chamava Sloppy Joe’s Bar, que tinha filiais em Havana e Key West. O [escritor inglês Graham] Greene fala dele em Nosso Homem em Havana. Eu me sentava todas as tardes ao lado desse bar, vendendo meus gibis. Havia uma morena, que passava rebolando, ali pelas 5 da tarde, com seus cabelos compridos… Ai! Não sabia que era uma puta, eu era uma criança. Essa mulher rodava um chaveirinho sem parar. Era tão elegante que eu ficava fascinado. Só depois me dei conta de que o chaveiro servia para que os outros soubessem o que ela fazia. Como gostava daquela morena! Em Trilogia Suja há um poema dedicado a ela. Foi a primeira paixão de minha vida. Nunca trocamos uma só palavra.

PLAYBOY – Você transou com muitas prostitutas?
GUTIÉRREZ – Jamais paguei para trepar. Nunca precisei disso. Pelo contrário.

PLAYBOY – Como assim? Te pagaram, então?
GUTIÉRREZ – Não, não é isso. Mas sei o que é viver assim. Morei com uma mulatinha chamada Luisa, que tinha de trabalhar na rua para podermos sobreviver. Não tínhamos um centavo. Luisa saía à tarde e voltava às 3, 4 da manhã com dinheiro, muito calma. Nossa relação durou uns 9 meses. Ainda nos falamos por telefone. Virou manicure.

PLAYBOY – Conte melhor essa história.
GUTIÉRREZ – Luisa trabalhava no Correio e ganhava ainda menos que eu – o equivalente a 1 dólar e meio por mês. Era catorze anos mais nova. Eu estava perto dos 44, ela devia ter uns 30. Muito bonita, uma boca maravilhosa. Um dia me disse: “Pedro, vou ter que ir ao Malecón e ver se encontro um gringo”. [Malecón é o calçadão de sete quilômetros, à beira-mar de Havana, onde se concentra a barra-pesada da capital – traficantes, prostitutas, bêbados. É o coração do turismo sexual do país] E eu disse: “Pois vá, então”. E ela fazia isso para sobreviver.

PLAYBOY – Dava um bom dinheiro?
GUTIÉRREZ – Luisa não agia como uma prostituta e nem saía todos os dias. Fazia para sobreviver, como falei. Isso em Cuba tem outro nome: jinetera. São mulheres comuns, geralmente formadas, trabalhadoras, que em determinado momento são obrigadas a encarar essa saída. Imagine uma mulher que ganha 1 dólar e meio e que não pode deixar esse trabalho porque não há outro. E o que ela tem? Um corpo bonito, jovem. Ela saía uma noite e voltava com 50 dólares. Por uma noite! Além disso, era fácil. Os europeus não trepam como nós, cubanos. Nós, sim, trepamos muito, a noite inteira, até a exaustão. Os gringos só precisam de uns minutos e pronto. Às vezes, não precisam nem meter: só de olhar já gozam. E tudo com preservativo, claro.

PLAYBOY – Você não ficava com ciúme?
GUTIÉRREZ – Olha, em absoluto. Era um trabalho como outro qualquer. Quando alguém está numa situação dessas, sua moral e sua ética mudam. Essa é a moral e a ética da sobrevivência. Você pode morrer de fome ou mudar os conceitos éticos e tocar para frente. Hoje posso dizer sem medo ou vergonha: a questão era sobreviver, fosse como fosse. [Enfático.] So-bre-vi-ver. O resto era resto. Há um belo romance chamado A Pele [de Curzio Malaparte], um clássico da literatura italiana. É ambientado em Nápoles, no fim da 2ª Guerra Mundial, quando a Itália estava destruída. E as italianas faziam o mesmo que as cubanas. Quando acabou a guerra, não havia nada: nem comida, nem roupas. E elas tinham fome. As italianas se deitavam com negros americanos, soldados de outros países por uma meia, uma lata de sardinha, um pedaço de pão, uma barra de chocolate.

PLAYBOY – Você vivia essas coisas e transformava tudo em literatura?
GUTIÉRREZ – Os contos de Trilogia Suja foram produzidos num estado de catarse. Às vezes, ficava sozinho de madrugada, depois de tomar uma garrafa de rum, e começava a pensar nas coisas que haviam se passado nos dias anteriores. Corria e começava a escrever. Pá, pá, pá… muito rápido. Com aquele sentimento, não podia escrever calmamente, com filosofia, com retórica. Era como me vinha à cabeça. Geralmente, estava transtornado. Desse modo, no dia seguinte me dedicava a melhorar o conto, a trabalhá-lo. Mas a primeira versão sempre saía à mão, quando eu estava bêbado e louco.

PLAYBOY – Antes desse período, você era mais controlado com relação ao sexo e à bebida?
GUTIÉRREZ – Na verdade, com sexo sempre foi assim, confesso. Às vezes, tinha sete mulheres ao mesmo tempo. Eu era um tipo moreno, bonito. Sério! Se tivesse uma foto aqui poderia mostrar. Uma vez me envolvi com uma diplomata polaca muito elegante, séria, um pouco mais velha do que eu, que me chamava de “príncipe moreno”. Isso é ruim. Ser muito bonito é algo que esvazia moralmente. Não tinha de me esforçar para conquistar uma mulher, eu as ganhava com um olhar. Além disso, era jornalista, trabalhava numa rádio, depois na TV. Tinha carro, algum dinheiro, muito tempo livre. Às vezes, fazia duas notas para a TV em uma hora e tinha o resto do dia para mim. As mulheres sempre vieram com muita facilidade. Uma coisa louca.

PLAYBOY – Por que elas gostavam tanto de você?
GUTIÉRREZ – Talvez porque eu nunca tenha visto o sexo como somente sexo. Sou um tipo muito romântico. As mulheres eram como um vício para mim. Escrevia poemas eróticos para uma, um soneto para outra, algumas rimas para outra… Talvez precise de um psicanalista para descobrir por que me portava dessa maneira, por que gastava tanta energia. Destruí meu casamento por causa disso. Sim, porque se você está com uma mulher linda, uma mulher boa, de quem gosta, por que precisa de outras seis? Eu tinha sempre várias amantes. Chegava em casa às 8 da noite, tomava banho, comia, transava com a minha mulher e saía de novo para transar.

PLAYBOY – Ela sabia disso?
GUTIÉRREZ – Ela suspeitava. Até que um dia tudo desmoronou.

PLAYBOY – E era impossível parar?
GUTIÉRREZ – Era um vício, como falei. E quando caí nessa situação horrorosa no começo dos anos 90, ficou pior ainda. Que podia fazer com 3 dólares? Tinha que me dedicar a outras coisas, para me distrair um pouco daquela situação tão brutal.

PLAYBOY – Havia algum método de trabalho nessa loucura?
GUTIÉRREZ – Escrevia as histórias uns três ou quatro dias depois do que se passava comigo, com um amigo ou com um vizinho. Meu sistema de trabalho era parecido com o preparo de uma salada: recolhia o tomate, a alface, a cenoura e colocava tudo bonitinho numa bandeja, para que ficasse agradável à vista. Ou seja, pegava um pouco de mim, um pouco do que ouvia e colocava no papel. Depois do rascunho, ia para minha máquina de escrever fabricada em 1923 e dava os retoques finais.

PLAYBOY – Seus amigos sempre contaram o que se passava com eles?
GUTIÉRREZ – Atraio gente que sente vontade de desabafar. Isso sempre acontece. É como uma vocação. As mulheres, principalmente, me contam tudo. O melhor método para se inteirar de algo é fazer sexo com uma mulher.

PLAYBOY – Você escrevia o tempo todo num estado alterado?
GUTIÉRREZ – Às vezes, não. Mas tive problemas graves com álcool. Houve tempo em que não podia ficar sem rum. Lá pelas 6 da tarde, ficava desesperado por um trago. E por um charuto. Charutos muito baratos, falsificados.

PLAYBOY – Em Trilogia Suja, o personagem Pedro Juan mergulha em verdadeiras epopéias sexuais, sem jamais negar fogo. Você já broxou alguma vez?
GUTIÉRREZ– [Ri por alguns segundos, depois faz uma cara grave, concentrada, coçando a sobrancelha.] Vou dizer uma coisa, compadre: nunca falhei. A única coisa que incrivelmente nunca me aconteceu foi ficar impotente. Sabe por quê? Porque escolho bem as mulheres. Busco as que me atraem muito. Comigo não funciona assim: olha, agarra e vai para a cama. Não dá, não sou um computador. Por mais linda que seja ela, não adianta. É preciso me excitar, me impressionar. E sou facilmente impressionável. Acho que é por isso que nunca falhei.

PLAYBOY – Aqui no Brasil não aconteceu nada?
GUTIÉRREZ – Sim. Foi aqui perto do hotel, num domingo à noite. É engraçado, porque as pessoas me dizem que escrevo sobre Havana, mas não é verdade – aquela é a visão de qualquer cidade grande do mundo. Pode ser São Paulo, Rio de Janeiro, Madri ou Nova York. Bem, eu havia chegado ao hotel e estava com fome. Fui dar uma volta pelo bairro [de Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo] e me deu vontade de tomar um gole de cachaça. Parei num bar nas redondezas. Veio me atender uma mocinha morena, baixinha, bonitinha. Pedi uma cachaça e ela foi ver se tinha e quanto custava. Perguntei como a garçonete não sabia o preço da cachaça e ela contou que, na verdade, trabalhava na cozinha. Estava apenas substituindo o garçom, que faltara. Comecei, com meu português sofrível, a lhe fazer perguntas, e como o lugar estava vazio ela se sentou comigo. Conversamos mais de uma hora. Ela me contou toda sua vida. Era do Nordeste do país, tinha vindo para trabalhar, criava tantos filhos, falou dos problemas de seu pai, dos seus próprios problemas. Foi tempo suficiente para tomar duas cachaças. Ela era simples e doce – isso é muito importante numa mulher. Perguntei a que horas sairia do trabalho. Convidei-a para tomar uma cerveja, mas ela não aceitou. Me disse, com muito jeito, que precisava cuidar dos filhos. E eu teria dado qualquer coisa para seguir falando com ela. Talvez chegássemos ao sexo, é quase certo. Mas não era isso o que importava. Eu queria mesmo conversar com aquela moça.

PLAYBOY – Essa garçonete vai se transformar num personagem?
GUTIÉRREZ – Pode ser. Se eu vivesse aqui, certamente iria procurá-la de novo, e depois de uns dias a convidaria para sair e provavelmente chegaríamos ao sexo. Sem pressa. Sou assim: sexo não é um desespero. Faria amizade com uma mulher interessante, carinhosa, simples. Sem esperar transcendência. Não temos que esperar encontrar sempre um par que transcenda. É suficiente sentir-se bem com alguém. Para que servem as prostitutas? Se um dia eu tiver que pagar para me deitar com alguém, pode estar seguro de que estarei impotente. Isso não entra na minha filosofia de vida. Sou um sedutor. Se ficasse aqui um mês, pode ter certeza de que a garçonete transaria comigo e estaria em meus livros.

PLAYBOY – Alguns críticos afirmam que você faz apenas pornografia. O que acha disso?
GUTIÉRREZ – O dramaturgo russo Anton] Tchecov gostava de repetir uma ótima frase. Mais ou menos o seguinte: “Um escritor tem que ser tão objetivo quanto um químico”. Se o químico que descobriu a penicilina tivesse asco de tantas drogas, de tantas doenças, jamais teria feito sua descoberta. O olhar do químico é mais profundo, vai além da sujeira. Creio que o escritor tem de ser assim também: objetivo e sem medo de se sujar. O que acontece é que nós somos obcecados por certos temas. [A escritora inglesa de policiais] Agatha Cristie tinha fixação por crimes, por exemplo. Matava sem pena seus personagens: envenenava-os, dava-lhes tiros, torturava-os. Eu não posso matar um personagem. Durante os três dias que levei para terminar O Rei de Havana, que tem um fim trágico, chorei copiosamente. Não queria dar aquele destino para o meu personagem. Queria que ele descobrisse uma saída. Principalmente porque é uma pessoa que realmente existe, assim como vários tipos presentes no livro. Não são meus amigos do peito, mas os conheço, nos falamos o tempo todo.

PLAYBOY – Em O Rei de Havana, o protagonista tem um pênis de 22 centímetros, com duas pérolas enxertadas nele. Esse sujeito existe?
GUTIÉRREZ – Sim, e mora no meu bairro. Esteve preso por muito tempo e fez essa operação. Costumamos nos sentar na esquina de casa para jogar cartas e beber.

PLAYBOY – Ele e os outros sabem que lhe servem de inspiração?
GUTIÉRREZ – Não! Os livros não são publicados em Cuba. Por sorte! Calculo que haja uns 400 exemplares ilegais no país, que os estrangeiros trazem e fazem circular de mão em mão. Outro dia apareceu um deles no meu bairro. Um amigo o leu e veio me falar: “Homem, aqui está o bairro inteiro!” E eu gritei: “Esconde isso, porra! Eles me matam se vêem suas histórias publicadas”. Claro que eu troco os nomes, mas estão todos lá, facilmente identificáveis.

PLAYBOY – As editoras cubanas ignoraram solenemente sua obra. Como conseguiu publicar Trilogia Suja de Havana?
GUTIÉRREZ – Um dia, apareceu uma amiga francesa em Havana, que era agente na Europa. Ela queria levar alguns trabalhos de escritores cubanos novos e carregou a Trilogia Suja completa. Eu já havia inscrito meu trabalho no escritório de direitos autorais, portanto estava seguro em despachar meus originais, não haveria problemas de plágio. Uns três meses depois me ligaram da Espanha, dizendo que tinham adorado o livro e queriam publicá-lo. Nessa época, estava com umas idéias e não quis perder a oportunidade daquela viagem. Li uma frase do [escritor americano] Henry Miller que me impressionou bastante: “Na literatura, quando se começa com os tambores, há que se terminar com TNT”. Rascunhei um romance em treze dias. Assim, quando desembarquei na Espanha para promover a Trilogia, levei O Rei de Havana debaixo do braço. Eles compraram os dois.

PLAYBOY – Algum personagem já fugiu ao seu controle?
GUTIÉRREZ – Sim. O travesti Sandra, de O Rei de Havana, que deveria aparecer em uma ou duas páginas, no máximo. A coisa foi crescendo, crescendo e ela ficou com dois capítulos. Tive de fazer Sandra desaparecer porque ela estava tomando muito espaço.

PLAYBOY – Animal Tropical, seu novo romance, ainda não lançado no Brasil, segue esta mesma linha de realismo sujo como você mesmo define?
GUTIÉRREZ – É um livro mais calmo que os outros. Tive um romance lindo com uma muchacha de Havana, de uns 32 anos. Um pouco prostituta, um pouco jinetera. Uma mulher da rua, mas espiritualmente uma pessoa encantadora. Foi quem inspirou a personagem principal de Animal. Ela tem uma guia espiritual, uma entidade cigana que a direciona, fala coisas interessantes. Ao mesmo tempo, é muito lutadora. Era bailarina em Havana. O Pedro Juan da Trilogia Suja está presente em Animal Tropical, mas é um homem diferente. Reaparece com uns 50 anos, transa com uma sueca muito fria, branca, magrinha, dona de peitos enormes. Neurótica. A sueca é o contrário da cubana. Ele fica dividido entre as duas. Dá para perceber que é um tipo um pouco insaciável – e, sim, um tanto autobiográfico.

PLAYBOY – Você vive com o dinheiro que ganha com a literatura?
GUTIÉRREZ – Sim. Em Havana é possível viver com muito pouco. Às vezes, vendo um quadro ou outro e assim vou levando. [GUTIÉRREZ também é pintor.]

PLAYBOY – Não está rico?
GUTIÉRREZ – De jeito nenhum!

PLAYBOY – Por que não vai embora de Cuba?
GUTIÉRREZ – Não me interessa sair de Havana. A cidade é minha matéria-prima. Não quero ficar como alguns escritores exilados que saíram de Cuba há anos e continuam escrevendo sobre como é o país, quando na verdade não sabem mais. Descrevem uma Havana que não existe mais, uma Havana da lembrança, da saudade. A Havana de dez anos atrás não tem nada a ver com a de hoje. Eu, estando lá, posso escrever sobre a cidade porque sei o que está acontecendo. Além do mais, minha família vive em Havana e minha mãe está muito doente.

PLAYBOY – Então você tem condições de mudar-se para, digamos, um bairro melhor? [GUTIÉRREZ vive numa cobertura detonada de frente para o Malecón.]
GUTIÉRREZ – Claro, claro. Estou pensando em me mudar para um lugar mais calmo.

PLAYBOY – E não terá problemas em conseguir personagens para suas histórias?
GUTIÉRREZ -Não, tenho milhões de anotações. Preciso de um pouco mais de tranqüilidade. A literatura não é somente uma forma de ganhar dinheiro, nem é a única. Posso vender uns quadros, posso ganhar dinheiro escrevendo para revistas internacionais. Tenho material para mais uns três livros.

PLAYBOY -Pergunta clássica de PLAYBOY: como foi sua primeira vez?
GUTIÉRREZ – Foi quando estava no exército. Tinha 16, 17 anos e transei com algumas bezerras. Ficávamos meses no campo, cortando cana. Íamos eu e mais uns cinco, escondidos no meio do mato, e pegávamos uma bezerrinha. Completamente normal para meninos daquela idade. Ela ficava assim, paradinha, sem entender nada. Muito gostoso.

PLAYBOY – E com gente?
GUTIÉRREZ – Nessa mesma época, conheci uma menina muito bonita, magrinha, de cabelos negros e compridos, assanhadinha. Um dia, fomos à praia. Nadamos e conversamos bastante tempo. Eu a ensinava a nadar, tocava no corpo dela. Mas estava junto um mariconzito, amigo dela, que não desgrudava da gente. E eu ali, em ponto de bala, esperando que ele fosse embora. Até que ela o despachou e ficamos apenas os dois. Perto das 7 da noite, com um pôr-do-sol maravilhoso, começamos a nos beijar. Os dois já loucos de tesão, nos escondemos atrás de umas pedras. Encaixei-a numa saliência e foi ali mesmo, em pé. Pã, pã, pã, pã – e pronto. Ela me disse que trabalhava no Hospital Municipal, na parte da limpeza. Então fui vinte ou trinta vezes ao hospital para procurar a menina. O prédio tinha cinco andares, era enorme. Percorri aqueles corredores umas cinqüenta vezes, em diferentes horários. Fiquei louco! Nunca havia trepado! Com uma vaca era outra coisa, claro. Infelizmente, nunca mais vi a menina. A partir daí comecei uma vida sexual normal.

PLAYBOY – Você acha que esse sexo desenfreado em Cuba é uma válvula de escape da repressão?
GUTIÉRREZ – Mais ou menos. Somos um povo mestiço e isso é definitivo em nossa sexualidade. Olha só: já com os africanos havia uma seleção muito rigorosa. Eles eram selecionados antes de serem capturados, depois morriam alguns durante o transporte. Na hora da compra, escolhiam-se os mais altos, os mais fortes, os mais belos. As mulheres também: as mais fortes, que podiam ter mais filhos, eram as eleitas. Em Cuba, os negros têm uma musculatura inacreditável, são bonitos. A cada dia nos misturamos mais, a cada dia há mais mulatos. Faz décadas que não há um censo, mas estou convencido de que, nesse momento, há muito mais negros e mulatos do que brancos em Cuba. A mestiçagem nos deixou de herança genética uma paixão pela música, uma paixão pelo sexo, uma paixão pela alegria de viver. O cubano às vezes tem um dólar no bolso e não está nem aí. Ele vai à esquina, compra uma garrafa de rum e convida alguns amigos para beber. Em seguida faz uns bicos e busca mais dinheiro. Vejo o sexo como uma conseqüência dessa alegria de viver, dessa felicidade. Acho até que a Revolução ajudou muito na maneira de enxergar o sexo. Há mais sinceridade nas relações. Nenhuma menina chega virgem ao casamento. Isso já não passa mais pela cabeça delas.

PLAYBOY – Como aborda esse assunto com seus filhos?
GUTIÉRREZ – Meu filho tinha 12 anos quando um dia entrou em casa, de mãos dadas com uma menina, e trancou-se no quarto com ela. Depois, chamei-o para uma conversa e disse-lhe que podia fazer o que bem entendesse, desde que em casa, com uma parceira apenas e usando camisinha. Ensinei-lhe o seguinte: é preciso dar três orgasmos para uma garota antes que você tenha o seu. Para isso existem a língua, os dedos, o pinto. O homem vem por último. Por isso, talvez, o cubano tenha fama de bom amante. O cubano nunca faz sexo para ele, faz para a mulher. Ela é quem tem de sair satisfeita. E o homem tem de fazer tudo, não pode ter nojo. Essa é outra razão pela qual nós, cubanos, não gostamos de prostitutas. Com uma puta, temos que colocar camisinha, não se pode beijar na boca, fazer sexo oral… É uma relação muito cheia de escrúpulos.

PLAYBOY – Você está casado com a segunda mulher, mas acaba de ter uma filha com sua vizinha. Parece que vive com as duas. Você é um legítimo bígamo caribenho?
GUTIÉRREZ – Não acredito em bigamia. É um conceito muito ocidental, muito católico. O ser humano é infiel por natureza. Jesus Cristo nunca tentou fundar uma religião. Só tentou demonstrar que se podia viver de um modo diferente, com mais espiritualidade.

PLAYBOY – Mas você está casado ou não?
GUTIÉRREZ – Sim, há cinco anos, e estamos muito bem. O que acontece é que tive um caso com uma mulher e agora nasceu minha filha Bárbara.

PLAYBOY – E você segue com as duas?
GUTIÉRREZ – Sim, sigo com as duas.

PLAYBOY – E elas sabem uma da outra?
GUTIÉRREZ -Como poderiam não saber? São vizinhas!

PLAYBOY – E como você resolveu essa questão?
GUTIÉRREZ – Claro que tive problemas, mas o pior já passou. Quando a outra apareceu grávida, minha mulher ficou furiosa. Mas as coisas vão se ajeitando. As mulheres dos escritores deveriam fundar uma espécie de sociedade internacional. Há pessoas que lêem o livro e se apaixonam pelo escritor. Ligam para minha casa, mandam-me cartas, até aparecem na minha porta. Vêem com os pretextos mais engraçados. Uma vinha dizendo que era jornalista. Mentira, só queria me conhecer. Outro dia, apareceu alguém com uma fita cassete debaixo do braço. Menciono várias músicas em Trilogia Suja. Ela as gravou e me trouxe de presente. Por sorte, minha mulher tem muita confiança em mim. Além disso, sabe que cada dia concentro mais energia na literatura.

PLAYBOY – Você afirmou, numa entrevista, que transou com 200 mulheres. Isso é uma daquelas bravatas de amante latino? Você realmente fez as contas?
GUTIÉRREZ – Quando tinha uns 34 anos, comecei a elaborar uma lista das mulheres com quem havia me deitado. De algumas não me lembrava o nome, então descrevia a situação. Comecei: 25, 78, 110, 120… E comecei a me assustar. Parei em 135. Isso foi antes da crise. Por isso calculo que já fui para a cama com mais de 200 mulheres.

PLAYBOY – E qual foi a melhor?
GUTIÉRREZ – É difícil escolher, porque gostei de quase todas. Mas posso dizer qual é o sexo mais chato: o do casamento. Isso posso afirmar categoricamente. A coisa se transforma em uma rotina insuportável: você faz amor de vez em quando, de madrugada, dorme um pouco, faz um pouco de carinho, e terminou. A grande loucura em sexo acontece sempre nas primeiras vezes. Ou quando você tem uma amante, que é proibida, e os encontros não são freqüentes.

PLAYBOY – Tem medo de que algo ruim possa acontecer a você em Cuba?
GUTIÉRREZ – Não. O governo até me convidou, no ano passado, para promover A Melancolia dos Leões. Cuba não é uma ditadura policial, onde vão te dar um tiro se você criticar o governo. Mas podem tornar as coisas difíceis para você. Eu, por exemplo, fui banido da profissão de jornalista.

PLAYBOY – O que significa essa tatuagem? [No alto do braço direito há uma espada com uma serpente enrodilhada.]
GUTIÉRREZ – Essa é a espada de Santa Bárbara, mas a serpente eu não digo o que significa. Fiz a tatuagem em 2 de dezembro de 1998. Foi o dia em que ganhei meu primeiro dinheiro como escritor, por Trilogia Suja, em Madri. Aterrissei na Espanha sem um centavo, estava promovendo o livro. No dia em que me pagaram – e fechei com eles a publicação de O Rei de Havana também – foi uma festa. Fazia mais de 12 anos que eu queria uma tatuagem, mas era muito caro. Custava mais de 100 dólares para fazê-la num lugar seguro, com material descartável e tudo. Então, naquele 2 de dezembro, um pouco em homenagem ao Rei de Havana, gravei esta espada. É a única que tenho no corpo. Também não tenho pérolas em lugar nenhum. [Risos.]

PLAYBOY – Dá para fazer planos para o futuro?
GUTIÉRREZ – Agora preciso de descanso. Por sorte, eu pinto. A pintura me relaxa e a literatura me cansa. Sou como um alemão, preciso de muita disciplina para escrever. Eu me entrego muito, do ponto de vista emocional. Não consigo escrever sobre o que não conheço. Não posso publicar um romance que se passa em Ouro Preto [Minas Gerais], porque só estive lá por dois dias. É falso. Tenho que sentir. [O escritor americano Ernest] Hemingway dizia que um escritor precisa manter o detector de merda funcionando. O meu está ok. Não é como no jornalismo, em que muitas vezes você é obrigado a escrever sobre coisas de que não gosta. A literatura para mim é sagrada.

PLAYBOY – Seus personagens estão sempre fazendo oferendas para santos ou visitando terreiros. Em cima da sua mesa estão abertos livros sobre yoga e budismo. Você virou um sujeito místico?
GUTIÉRREZ – Minha família não me criou com uma educação religiosa. Apesar disso, minha mãe acreditava nos seus santos e tal. Quando eu tinha uns 13 anos, caí numa crise religiosa muito forte, porque havia coisas que nunca consegui aceitar. Essa história de Santíssima Trindade, por exemplo. Aos 16 anos, eu tinha aulas de filosofia marxista, de dialética. Fui professor de marxismo de uma turma. Afastei-me cada vez mais da vida espiritual. Até que, lá por volta de 1992, quando estava muito mal, uma amiga me convidou a conhecer um terreiro. Disse que sabia de uma mãe-de-santo muito boa. Fui atraído pelo aspecto folclórico. Além disso, queria coletar material para meus livros. Bem, aquela mulher me disse tantas, mas tantas coisas… E ela não me conhecia, não sabia quem eu era. Falou de meus filhos, da minha ex-mulher. Sussurrou: “Neste momento você tem relacionamentos com sete mulheres”. E era verdade. “Você é protegido de Xangô e de Ogum. Ogum é o deus da guerra. Xangô é muito mulherengo.” Verdade. Ela me mandou fazer alguns trabalhos. Obedeci e pouco a pouco comecei a me sentir melhor. Eu e meu espírito.

PLAYBOY – Isso não pode ser prejudicial à sua literatura? Quer dizer, ficar tranqüilo demais…
GUTIÉRREZ – Espero que não. Chegou um momento em que me abri para a religião e aos poucos incorporei outras coisas. Hoje em dia faço um pouco de yoga, um pouco de meditação. Gosto muito da filosofia budista. Cada dia aprendo mais sobre o budismo e fico mais fascinado, porque me traz calma. Ajuda-me a entender muita coisa. Hoje acho que, sem esse lado espiritual, não conseguiria viver. Estou saindo de um ciclo de vida muito pesado, forte, violento. Houve vários momentos em que pensei que não suportaria.

PLAYBOY -O que é menos complicada: a vida ou a literatura?
GUTIÉRREZ – Trato de reduzir um pouco a realidade, de transformá-la em algo mais leve, para fazê-la possível de se acreditar. Isso acontece em meus livros: tenho que traduzir os fatos para que as pessoas acreditem neles. Esse é o principal problema da literatura: ela precisa ser crível. A vida é outra coisa. A vida é a vida, e nela pode acontecer qualquer coisa, acredite ou não. Na literatura é necessário organizar os elementos, senão fica falso. Daí existirem tantos livros ruins por aí: os autores não conhecem o ofício de fazer as pessoas acreditarem em suas histórias. Demorei muitos anos até aprender isso.

PLAYBOY – Você é feliz?
GUTIÉRREZ – A felicidade é um caminho sem chegada. Mas pelo menos posso aspirar à serenidade. Tendo um pouco disso, um pouco de paz interior, para mim está bom – desde que eu possa transmitir um pouco dessa paz às pessoas que estão ao meu redor.

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