de Cronicando
Ndira, 1999
O cabrito que venceu o Boeing Ignorem, senhores, as testemunhas: nenhuma não houve. Este escrito saiu do nada, sem depoimento nem substância. Se alguma lei nele cabe é apenas a permissão do invento. O resto são rabiscos, rascunhos de fantasia. Aos nervosos, que buscam parecença por trás do espelho, eu prescrevo calmaria. Tudo aqui são personagens. Lendo no entrelinhado se verá que ninguém é parecido com os figurantes. E, no mais, só tropeça quem tem o pé. Entremos na estória que esperar só traz magreza.
De visita à província iam o responsável mais a delegação estrangeira. Iam espreitar, num pestanejo rápido, os públicos terrenos da miséria. Os delegados tiravam notas, chapavam fotografias, enchiam de sombras seus muitos relatórios. Que o mundo se resolve num projecto, basta o financiamento. Entrepouco, se vai dando o milagre de repartir, a migalha por fomes de milhões. Pois, os visitantes. Saberiam eles distinguir os homens da poeira onde se vertiam ? Ou pensariain que província se resume a subúrbio de país, lugar onde todo cidadão se converte em população?
No todo o tempo da visita, os estrangeiros viram o responsável bichanar instruções, gatafunhando segredos. Única palavra entendível: cabritos. Que seria, o homem interessava-se por gado caprino? Estaria preocupado com o estado infralimentar daquela gente? Mas, se assim era, porquê tais clandestinos modos? Os visitantes já enchiam linhas com barrigudos pontos de interrogação. A verdade, porém, não se alcança por roer o mesmo osso. Muitos se desdentaram, conseguindo mais soluços que soluções. Só o tempo, com suas compridas paciências, nos transparece os mistérios. Em diante.
Na cerimónia de despedida, já no aeroporto, outras dúvidas enrugaram a razão dos estrangeiros. Porque o homem do protocolo, usando gravata tal igual o papel de 25 linhas usa a estampilha fiscal, parecia desmentir seu digníssimo porte. Numa trela ele segurava oito cabritos, despenteados e fedorentos. Os bichos mastigavam a infalível alcatifa, chegando mesmo a dentejar alguns relatórios.
-Mas esses cabritos também vão embarcar?
Os estrangeiros que não se preocupassem, os animais estavam vacinados, documentados. O protocolista espirrava, parecia o nariz lhe tinha caído em tropical depressão.
-Alergia ao pêlo?
-Não, aos chifres.
E os alienígenas mantinham a estranheza, vendo o funcionário em apuros, empurrando os caprissaltantes escada acima.
-Mas eles vão connosco no avião?
Sim, vantagem da liberdade. Agora, cabritos de todas as cores tinham acesso. Mas estes capríneos, de quem eles se encomendavam? Do chefe, sim, dele. Os estrangeiros em singela anuência, interpretaram: o responsável exercia colectivas bondades, levava proteína para o centro social dos trabalhadores. E apontaram tal generosidade em seus relatórios.
Todos já em seus lugares, uns passageiros, outros passacheirosos. Os da companhia aérea eram três: uma tripulação. Mas desmerecessem o nome: não pulavam. E todos se apertaram, cintos no fecho. Os aviões são os seguros, inabaláveis meios? Então, por que razão nos recebem logo prevenindo das acidentáveis eventualidades? Credite-se a máxima desconfiança. A mesma que a gente ir ao dentista e ele, no prévio, nos instruir como andarmos de muletas.
Pois, a descolagem se demorava sem aparente motivo. A delegação já ouvia pela vintésima vez os preceitos de segurança, o comissário já tinha o nariz roxo de exemplificar a máscara. O homem, já de si feio, aparentava agora um comissáurio. Que se passa? O máximo dignatário se incomodava: o avião parado, o piloto perdeu a chave? Não, excelência, o protocolo quase pisava a gravata, prometendo desvendar o caso. E, aos espirros, desapareceu no corredor. Voltou segundos mais tarde, com a esclarecida resposta: pois que um desavisado cabrito tinha sido aspirado pela turbina, inibindo os mecanismos.