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Episódio de On the Road – Pé na estrada

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de On the road – Pé na estrada
Editora Brasiliense, 1994

Em julho de 1947, juntando uns 50 dólares do meu velho seguro de veterano, eu estava pronto para ir à Costa Oeste. Meu amigo Remi Boncoeur havia escrito uma carta de São Francisco dizendo que eu deveria vir para embarcar com ele num navio que desse a volta ao mundo. Ele jurava que conseguiria me arranjar um lugar na casa de máquinas. Respondi-lhe dizendo que já estaria satisfeito com qualquer velho cargueiro, contanto que pudesse curtir algumas longas navegadas pelo Pacífico e voltar com grana suficiente para me sustentar na casa de minha tia enquanto terminasse meu livro. Ele falou que possuía uma cabana em Mill City e que lá eu teria todo o tempo do mundo para escrever enquanto a gente aguardasse a encheção de saco burocrática de antes da viagem. Ele estava vivendo com uma garota chamada Lee Ann; disse que ela era uma cozinheira maravilhosa e que tudo iria dar certo. Remi era um velho colega da escola preparatória, um francês criado em Paris e um cara realmente muito louco – nesta época eu não imaginava o quanto! Portanto ele aguardava a minha chegada para dentro de uns dez dias. Minha tia estava inteiramente de acordo com minha viagem para o Oeste; ela achava que isso me faria bem, eu havia .trabalhado duro durante o inverno e ficado demais dentro de casa; ela não reclamou nem mesmo quando eu lhe disse que teria que pegar umas caronas. Tudo o que ela esperava era que eu voltasse inteiro. E assim, certa manhã, deixando meu grosso manuscrito incompleto sobre a escrivaninha e dobrando pela última vez meus confortáveis lençóis caseiros, parti com meu saco de viagem no qual poucas coisas fundamentais haviam sido arrumadas, caindo fora em direção ao Oceano Pacífico com 50 dólares no bolso.

Eu tinha ficado delirando em cima de mapas dos Estados Unidos durante meses, em Paterson, e até lendo livros sobre os pioneiros e esses nomes instigantes como Platte e Cimarron e tudo mais e, no mapa rodoviário, havia uma longa linha vermelha chamada Rota 6, que conduzia da ponta do cabo Cod direto a Ely, Nevada, e daí mergulhava em direção a Los Angeles. Simplesmente vou ficar na 6 o tempo inteiro até Ely, disse a mim mesmo e confidencialmente dei a partida. Para pegar a Rota 6, eu deveria subir até Bear Mountain. Sonhando com as curtições de Chicago, Denver e finalmente de San Fran, peguei o metrô da Sétima Avenida até o fim da linha na rua 242, e lá tomei o tróleibus para Younkers; do centro de Younkers um novo tróleibus me conduziu até os limites da cidade, na margem leste do rio Hudson. Se você jogar uma rosa na misteriosa nascente do rio Hudson, em Adirondacks, imagine todos os lugares pelos quais ela viajará antes de desaparecer no mar para sempre -pense no sublime vale do Hudson! Meu polegar apontava montanha acima.

Cinco caronas esparsas me conduziram à ambicionada ponta de Bear Mountain, onde a Rota 6 penetra em curva depois de deixar a Nova Inglaterra. Começou a chover torrencialmente assim que fui deixado ali. Era uma zona montanhosa. Atravessando o rio, a Rota 6 fazia um enorme retorno e desaparecia na imensidão. Não só não havia nenhum tráfego como também chovia a cântaros e eu não tinha onde me abrigar . Tive que correr para debaixo de alguns pinheiros para me cobrir, o que não chegou a ser uma idéia genial; eu comecei a chorar e a praguejar e a esmurrar minha própria cabeça por ser tão estúpido. Estava a uns 60 quilômetros ao norte de Nova lorque e, durante todo o caminho, preocupado com o fato de, neste meu primeiro grande dia, estar avançando apenas para o norte ao invés de seguir para o Oeste dos meus sonhos. Agora, aqui estava eu encalhado justamente no limite mais setentrional desta viagem obsessiva. Corri uns 500 metros até um posto de gasolina abandonado, construído num elegante estilo inglês, e parei debaixo de um telhado gotejante. Muito acima de minha cabeça a hirsuta e imponente Bear Mountain enviava os trovões que gelavam minha alma. Tudo o que eu podia distinguir eram árvores nebulosas e a sombria vastidão se elevando aos céus. “Que porra estou fazendo aqui em cima?”, xinguei, implorando por Chicago. “Justamente agora eles estão todos numa boa, curtindo os maiores baratos, e eu não estou lá, quando é que eu vou chegar lá?” -essas coisas. Milagrosamente um carro parou no posto abandonado; o homem e as duas mulheres que estavam dentro queriam consultar um mapa. Aproximei-me no ato e gesticulei na chuva; eles se questionaram; claro que eu parecia um maníaco, com meu cabelo todo.molhado e os sapatos encharcados. Meus sapatos, que perfeito idiota eu sou, eram umas sandálias mexicanas de corda trançada, absolutamente impróprias para a cruel noite chuvosa da América, para a noite voraz da estrada. Eles me deixaram entrar e me levaram de volta para Newburgh, o que aceitei como uma alternativa melhor do que ficar preso a noite inteira na desolada Bear Mountain. ” Além disso”, disse o homem, “praticamente não há tráfego pela 6. Se você realmente quer ir para Chicago, seria melhor ir pelo Túnel Holland em Nova lorque, e seguir em direção a Pittsburgh”, e eu sabia que ele estava certo. Era meu sonho se azarando, a idéia idiota de que seria simplesmente maravilhoso seguir uma única e grande linha vermelha através da América, ao invés de tentar várias estradas e rotas.

Em Newburgh tinha parado de chover. Caminhei até o rio, e tive que voltar para Nova lorque num ônibus junto com uma delegação de professores primários que retornavam de um fim de semana nas montanhas – lereré, lereré, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá e eu simplesmente puto comigo mesmo, lamentando todo o dinheiro que tinha gasto e louco para pegar o rumo do Oeste, o que, na verdade, tinha tentado fazer durante o dia e a noite inteira, indo para cima e para baixo, para o norte e para o sul, como algo que não consegue dar a partida. Jurei que no dia seguinte estaria em Chicago, e tive certeza absoluta disso, já que decidi pegar um ônibus até lá mesmo que isso significasse gastar quase todo o meu dinheiro, mas não queria nem saber, contanto que estivesse em Chicago amanhã.

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