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Requiém Espontâneo para o Índio Norte-americano

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Requiém Espontâneo para o Índio Norte-americano

WAKONDA! Talako! peru alcoolizado para a morte fazendo glugluglu na noite de passos macios!
Penas de pontas azuis amarelas vermelhas tingidas com arando balançam na dança louca do fogo
hahaha hahaha homens mortos homens de pele vermelha homens-com-penas-na-cabeça na noite!
Fúria animal de carne no osso no terreiro quente de fumo!
Cantos de réquiem para a confederação dos índios do sudeste norte-americano!
Ah a morte dos Creeks, dos Choctaws,
Do guerreiro Brave, transbordante de juventude e pranto, segurando uma truta na sua mão moribunda, uma truta orgulhosa apanhada com sabedoria,

O mais leve dos pés, o mais veloz, ah lamento da américa, ô américa dos noruegueses e suecos, do tabaco de mascar, dos crimes, saques e massacres, de Deus e dos tratados desfeitos,
Ah relincho dos cavalos pampas! Ah canto fúnebre do trenó indígena pranteando o chefe moribundo!
Morangos silvestres, abeto, uva-do-monte, milho caboclo, trigo do mato – oh escassez de homens!
Mulher pele-vermelha de pescoço comprido, irmã guerreira, môça de tenda, amante de cicatrizes, não despedaces mais o rato almiscarado com tua mão carnuda, mas desespera-te, contorce-te e esmurra tua terra indígena com o último tormento do amor do amor, Oh américa, oh cantos de réquiem –

O tropel nas planícies dos rebanhos fantasmas de animais não comidos apodrecendo ao relento
Perseguindo o espírito da Inglaterra pelas planícies afora eterna eternamente, a imponente tribo Kiwago devastando os tranquilos Dakotas, oh américa –
América ó américa de minério escasso oh américa petrificada oh alga do que já foi outrora
a grande e adorável confederação das tribos do Gôlfo, oh américa sugadora de petróleo em vez disso, petróleo de dias melhores,lebres para caçar, peixes para fisgar, pés velozes correm as tribos dali sobrepujada a terra para comer para amar para morrer ah cantos fúnebres, o deus Hator há muito profetizou Wakonda,

trombetas heráldicas de sisal branco afinadas segundo a melodia coiote para lamentar a morte do sol poente a partida em trenó de cada moribundo, triste e exangue, o tremor dos homens, de cada um dos chefes morrendo lentamente, vermelho e quente na sua roupagem de couro
Balancem lentamente o chocalho, os dentes do falcão, os sinos de casca, entoem lentamente o lamento, ó réquiem, sacudam lentamente o vento dos ventos, ah as penas murchas levadas pelas brisas da tarde,
Lamentem o último trenó arrastado pelo cavalo pampa, o triste rei perplexo e ferido dos Montanas, Emudeçam os caçadores franceses de peles que zombam nas suas embarcações fluviais, que não se ouça nenhum canto de guerra perante umlt tal abundância de ratos almiscarados e castores, desprezrem-nos,

Que a histeria da mulher pele-vermelha abata-se sôbre a américa, a américa carroça coberta dos pioneiros, as carroças da conquista incendiadas por flechas, a última resistência dos quakers, antes de perecerem, das bruxas de capuz branco nas cabeças, dos orgulhosos conquistadores, jovens e mortos,
Ó Jerônimo!1 Washington Bolivar de rosto duro como níquel de uma cidade moribunda que nunca existiu, esse monstro-morto, que os demônios se reuniram para pilhar e pilharam,
Ó Touro Sentado! homem côr-de-ameixa Jefferson Lênine Lincoln homem pele-vermelha morto, obrigue teu espírito a bater asas, encubra a terra de nuvens, ah o condor, o abutre, o falcão os dias da abundância passaram e tu também, oh américa, oh cantos de réquiem,
Vales secos, marcos de caveiras, territórios Apache, terra de sol vermelho, trenó indígena,
O relincho chorado dos cavalos, a noite das éguas e dos potros,o lento chefe da morte, enrugado, triste e sem vigor, sem horizonte, sem fumaça, triste e orgulhoso morrendo –
Em direção ao território coiote da montanha e da lua, a algazarra exultante, o riso orgulhoso de homens sem conta, Pésnegros, Mohawks, Algonquianos, Senecas, todos homens, oh americano, homens reunidos no alto que inclinam
Suas cabeças brancas cobertas de palha e morrem à maneira dos cavalos pampas com a lua nascente, na noite quente, perdida, vazia, nunca vista, sem música, indiferente; sem vento –

Na luz sombria e terrível do Terreno da Caça Feliz
Três gerações de chefes exibem seus troféus inúmeros de cabeças humanas, batendo as tranças louras de uma criança contra o pano sujo, encardido e áspero da tenda;
Ela desaba em meio a uma montoeira de coisas espalhadas, destruída, acabada, devastada, as costas livres do cais, transforma-se na carcaça vazia dos crânios sem cabelo dos mortos que procuram na sepultura dos brancos a criança de cabelos arrancados;
Ah a tristeza inelutável nessa eternidade indígena,
Ela justifica, oh américa, teus urros, teus brados, teus gritos, teus relinchos e explosões de chôro!
Calamidade indiânica! não foi a cabeleira arrancada dos homens a primeira faca que penetrou no coração de uma idade selvagem, devastadora de terras virgens, oh cantos fúnebres,

Oh nuvem de tempestade, trovoadas provocadas por pássaros fantásticos, chuva-no-rosto, grito nas trevas, morte,
E mantas e plantações de milho, e pegadas tranqüilas do homem à procura de Kiwago, américa, Kiwago, américa, américa milho, canção singela de um triste menino pele-vermelha canção na noite sob o olhar da cabeça que espia com curiosidade de cabeça intrusa de Zeus trovejante e zombeteiro, ah essa angústia, essa morte, essa noite,
Réquiem, américa, entoe um lamento fúnebre que faça o trigo prêto e branco tremular altivamente em louvor do índio que nunca mais haverá de nascer, desaparecido, desolado, extinto;
Ouça as planícies, as grandes cordilheiras de montanhas, ouça o vento desta noite raça de Oklahoma primeira a chorar no lamento das montanhas, das correntezas, das árvores, dos pássaros, do dia e da noite, do brilhante e contudo desaparecido trenó fantástico,
A cabeça curvada de um índio é suficiente para curvar a cabeça de um cavalo e os dois juntos morrem morrem morrem e nunca mais morrem definitivamente, a noite devora os moribundos, devora o sofrimento e não há mais sofrimento para o índio, não há mais nenhuma índia grávida, não há mais menino de olhos grandes e pés selvagens, não há mais chefes cobertos de brancos ornamentos de couro, exalando o aroma úmido de tabaco e coisas doces, ah américa américa –

Todos os anos Kiwago vê seus bezerros emagrecerem, vê sem franzir o cenho seus matadores mortos, os novos atiradores, de pontaria certeira, com suas espingardas e balas, atiram e derrubam o mais velho dos touros, o rei, o Kiwago da planície remanescente –
Todos os anos Kiwago vê o deserto imóvel, o deserto sêco sem lágrimas e sem filhos, o deserto sem fumaça, o deserto triste e sem índios –
Todos os anos Talako vê o pássaro voar sem flecha perseguindo-o na sua paz do céu, na sua liberdade de devorar tudo que existe da velha américa, da américa virgem calma selvagem,
Ah américa, ah canto de réquiem, oh vegetação rasteira, ó céu do Oeste, cada ano é um outro ano, não se perde uma partida de bola, o braço delgado e musculoso que segura a lança não se levanta mais, o sábio conselho dos reis reunidos não está mais quente com vida, com peles, umidade, calor, milho assado e carne sêca, agora a índia não trocará mais sorrizinhos com seu bem amado, não conversará mais de amor difícil e da necessidade do homem e da mulher viverem juntos, da necessidade dos filhos, filhos, não haverá mais filhos nos anos vindouros, não haverá mais aparência de vida, de vida aprazível, não, não mais, américa, mas em lugar disso as pedras mortas, as árvores sêcas, as nuvens de poeira percorrendo a terra de uma extremidade à outra – réquiem.

Os bacamartes dos pioneiros, as fivelas largas que usavam, os chapéus altos, holandeses, inglêses, sapatos de couro patenteados, Bíblias, rezam, esfriam os ânimos, são circunspectos, circunspectos, nada lhes comove a não ser festas, perus assados, milho,frutas saborosas, doces e geléias que saboreiam rodeados de uma multidão de convidados felizes e surpresos, os Iroqueses, os Mohawks, os Oneidas, os Onondagas, que lhes dão graças!
Oh alegria! oh anjos! oh paz! oh terra! terra terra terra, oh morte

Ah as balas, as flechas, o chumbo grosso, o uísque, o rum, a morte e a terra,
Ah feiticeiras, tavernas, homens quakers, Salem e Nova Amsterdã, as plantações de milho,
E a noite, pés ligeiros, morte, massacre, massacre, oh américa, oh réquiem –
Casas de madeira, fortes, postos avançados, entrepostos de comércio, lugares distantes, nuvens,
Poeiras, hordas, tribos, morte, morte, jovens louras que morrem, vestidos que queimam, homens de jaquetas vermelhas e de jaquetas azuis que morrem, jovens que rufam os tambores, que tocam os pífaros, que praguejam, gritam e morrem, cavalos…que morrem, crianças pequenas… que morrem;

liiiiiiiuuuuuuuuuuuuuuuu! Hhhhhhaaaaaaaaaaaaa!
EEEEEEEEEeeeeeeeeeEEEEEEEaaaaaaaaaaaaaaa!

Morrer morrer morrer morrer morrer morrer…américa, réquiem.
Rude, desajeitado, molenga, lá vai o índio na sua roupa de sacristão, desengonçado, risível, bêbedo,
Cansado, desleixado – as antigas indumentárias e as botas brancas se perdem, a alegria das festas e das danças terminou, acabou, o índio Seneca dorme, sem trenó, sem cavalo pampa, sem fim, dorme apenas, e uma nova era, um nôvo dia, uma nova luz, o milho nasce com fartura e a noite é eterna, assim como dia
o avião a jato risca velozmente o céu do Texas,

Réquiem.

À noite o motociclista índio Pé-negro com um cinturão largo passado na cintura mais selvagem do que os olhos luminosos do falcão senta em sua possante motocicleta preta ajeita-se no assento e arregala os olhos na esperança de loucas aventuras saindo numa disparada pela rua abaixo mais veloz do que a correria de seus antepassados a cavalo pelos desfiladeiros cobertos de fumaça e pelas cabanas embandeiradas Ah a tímida sombra de Kiwago agora! o ronco louco do cano de escapamento de sua moto Indian ecoa nas ruas como o ruído ensurdecedor de ferro e lata explodindo brrrrrummmmm não há penas no seu capacete oleoso Ah êle é uma máquina veloz a vapor correndo na disparada sem banda de música para o receber é uma pena êle ser estúpido a ponto de sentar-se no Horn & Hardart em sua visita à Nova Iorque e sentir-se feliz na companhia de garôtas de faces rosadas e cabelos louros que conversam sôbre a sua enorme moto e a moto enorme delas, Ah ele se comporta como um anjo no meio delas embora sua aparência citadina seja sinistra sinistra quando fuma à noite um cigarro numa ruela deserta, esperando, américa, esperando o fim, o último índio, índio louco sem peixe nem pés descalços nem caça na floresta altiva, louco nos joelhos que cavalgam a motocicleta, é dêle o último canto de réquiem a última américa A FESTANÇA DO FUNERAL ESTA SAINDO os votos de boa sorte são acenados, os pneus são cheios, os óculos de corrida já foram colocados, o motor, a gasolina, os freios está tudo em ordem! Índios de 1958, vestidos da cabeça aos pés com roupas de couro – ARRANCAM na disparada pela estrada côr de terra da Morte, o pequeno Richard ouve a trombeta prodigiosa e no desastre ocorrido a tôda velocidade seu blusão de couro, cheio de ar, relincha como nos velhos tempos!


De Geração Beat – Antologia
Org. por Seymour Krim
Editora Brasiliense, 1968.

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