de Vida sem fim
de Lawrence Ferlinghetti
Editora Brasiliense, 1984.
A poesia “beat” é uma vanguarda Se considerarmos o Uivo (Howl) de Ginsberg (1956) como uma espécie de manifesto (manusgrito, obgesto) da poesia “beat”, ela é praticamente contemporânea da Poesia Concreta brasileira, cujo Plano Piloto é exatamente de 1958.
No Brasil, em 1956, Décio Pignatari fazia “Terra”, Haroldo de Campos dava à luz seu “SI LEN CIO” e Augusto de Campos compunha “Tensão”. Nunca os astros de Estados Unidos e Brasil estiveram em tão rigorosa oposição.
Lá, a vanguarda, representada por um Ginsberg, um Ferlinghetti, um Corso, passava-se numa pauta oral. Aqui, a vanguarda concreta representava, sobretudo, uma radicalização da dimensão visual da poesia. A poesia concreta é o “poster”, o “out-door”, os anúncios luminosos, e, hoje, o vídeo-texto. A poesia “beat” é o recital, o poema feito para ser falado, caudalosas torrentes esperando uma voz. Duas poesias, duas vanguardas: duas mídias distintas Outras coisas, ainda, distinguem as duas.
A poesia “beat” é indissolúvel de um gesto comportamental, que foi a vida “beatnik”, da qual é a legítima expressão lírica. A poesia concreta brasileira resultou de um trabalho intelectual, realizado, com alta ênfase na racionalidade, nas fronteiras entre a arte e a ciência. Uma textosignovisão global. E produziu sua própria teoria, a reflexão sobre si mesma, o aprofundamento do ser-poesia, enquanto signo, enquanto código, enquanto matéria e consciência de linguagem. Já a poesia “beat”, pela própria natureza da sua proposta, não poderia produzir teóricos nem ensaístas. E seu alcance e abrangência intelectual é, necessariamente, menor do que a da poesia concreta brasileira, sua contemporânea. A título de paradoxo, daria para constatar que, nesse momento, a poesia norte-americana buscava o que o Brasil, país de analfabetos, tem de sobra, a oralidade. E o Brasil, ao contrário, no setor mais radical da sua poesia, buscava aquilo que a civilização tecnológica norte-americana produzia de mais vivo, na área de comunicação de massas. Estranhas inversões, destinos cruzados.
Com tudo isso, a poesia “beat” produziu, sim, poetas e poemas de primeira qualidade. Ginsberg, Ferlinghetti e Corso são vozes que, enquanto a alma humana tiver ouvidos para “a voz que é grande dentro da gente”, não vai faltar amor pra eles.