por
Eduardo Galeano
O
Che - El Hombrito - Cuba, 1957
No vale de El Hombrito, mandam os rebeldes. Aqui instalaram um forno
de pão, uma gráfica, que consiste num velho mimeógrafo, e um consultório
médico que funciona num casebre de uma peça só. O médico é Ernesto Guevara,
chamado de Che, que de argentino tem, além do apelido, certos costumes
como o chimarrão e a ironia. Peregrino da América, incorporou-se às
forças de Fidel no México. Tinha ido parar lá depois da queda da Guatemala
e ganhava a vida como fotógrafo, a um peso por foto, e vendendo santinhos
da Virgem de Guadalupe.
No consultório de EI Hombrito, o Che atende a uma caravana de crianças
barrigudas, quase anões, e moças velhas, gastas em poucos anos de muito
parir e pouco comer, e homens que são como pelancas secas e vazias,
porque a miséria vai transformando cada um em sua própria múmia.
No ano passado, quando a metralha arrasou os guerrilheiros pouco depois
da sua chegada, o Che teve que escolher entre uma caixa de balas e uma
caixa de remédios. Não podia carregar as duas. e preferiu a caixa de
balas. Agora acaricia seu velho fuzil Thompson, que é o único instrumento
de cirurgia no qual verdadeiramente acredita
O Exército Revolucionário do Povo, guerrilha guevarista
na Argentina dos anos 70. O libertador José de San Martí
e Che, emolduram uma entrevista coletiva clandestina, 1971.
O
multiplicador de revoluções - Havana, 1965
O guerrilheiro espartano, vai para outras terras. Fidel revela a carta
de despedida do Che Guevara: "Já nada legal me ata a Cuba," diz o Che,
"só os laços que não podem ser desatados." O Che também escreve aos
seus pais e aos seus filhos. Aos filhos, pede que sejam capazes de sentir
da maneira mais profunda qualquer injustiça cometida contra qualquer
um em qualquer parte do mundo. Aqui em Cuba, com asma e tudo, o Che
foi sempre o primeiro a chegar e o último a ir embora, na guerra e na
paz, sem afrouxar nem um pouquinho. Por ele se apaixonaram as mulheres,
os homens, as crianças, os cães e as plantas.
Às
margens do rio Nancahuazú, Dezessete homens caminham para o aniquilamento,
1967
O cardeal Maurer chega à Bolívia, vindo de Roma. Traz as bênçãos do
Papa e a notícia de que Deus apóia decididamente o general Barrientos
contra as guerrilhas.
Enquanto isso, acossados pela fome, abrumados pela geografia, os guerrilheiros
dão voltas e voltas pelos matagais do rio Nancahuazú. Poucos camponeses
existem nestas imensas solidões; e nem um, nem um único, incorporou-se
à pequena tropa do Che Guevara. Suas forças vão diminuindo de emboscada
em emboscada. O Che não fraqueja, não se deixa fraquejar embora sinta
que seu próprio corpo seja uma pedra entre as pedras, pesada pedra que
ele arrasta avançando à cabeça de todos; e tampouco se deixa tentar
pela idéia de salvar o grupo abandonando os feridos. Por ordem do Che,
caminham todos no ritmo dos que podem menos: juntos serão todos salvos,
ou se perderão.
Perdidos. Mil e oitocentos soldados, dirigidos pelos rangers norte-americanos,
pisam sua sombra. O cerco se estreita cada vez mais e mais. Finalmente
sua localização é delatada por um par de camponeses dedos-duros, e os
radares eletrônicos da National Security Agency, dos Estados Unidos.
0uebrada
do Yuro - A queda do Che, 1967
A rajada de metralhadora estraçalha suas pernas. Sentado, continua lutando,
até que seu fuzil voa pelos ares. Os soldados disputam a porradas, seu
relógio, o cantil, o cinturão. o cachimbo. Vários oficiais o interrogam,
um atrás do outro. O Che se cala e jorra sangue. O contra-almirante
Ugarteche, ousado lobo de guerra, chefe da Marinha de um país que não
tem mar, o insulta e ameaça. O Che cospe em sua cara. De La Paz, chega
a ordem de liquidar o prisioneiro. Uma rajada o atravessa: o Che morre
de bala, morre à traição, pouco antes de fazer quarenta anos, a mesma
idade na qual morreram, também de bala, também à traição, Zapata e Sandino.
No povoado de Higueras, o general Barrientos exibe seu troféu aos jornalistas.
O Che jaz sobre um tanque de lavar roupa. Depois das balas, é atingido
pelos flashes dos fotógrafos. Esta última cara tem olhos que acusam
e um sorriso melancólico.
Higueras
- Os sinos tocam por ele, 1967
Morreu na Bolívia, em 1967, porque se enganou de hora e de lugar, de
ritmo e de maneira? Ou não morreu nunca, em nenhum lugar, porque não
se enganou no que de verdade vale para todas as horas e lugares e ritmos
e maneiras?
Acreditava que é preciso se defender das armadilhas da cobiça, sem baixar
a guarda nunca. Quando era presidente do Banco Nacional de Cuba, assinava
um Che nas notas, para debochar do dinheiro. Por amor às pessoas desprezava
as coisas. Doente está este mundo, acreditava ele, onde ter e ser significam
a mesma coisa. Nunca guardou nada para si, nem pediu nada nunca. Viver
é se dar, acreditava ele; e se deu.