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Poemas e textos diversos sobre Che

ERNESTO GUEVARA, COMANDANTE NOSSO

Por José Lezama Lima*

Cingido pela última prova, pedra pelada dos começos para ouvir as inaugurações do verbo, a morte foi buscá -lo. Saltava de chamusca para árvore, de aquileída cavalo falador para rede onde a índia, com seu cântaro que coagula os sonhos, leva e traz. Homem de todos os começos, da última prova, do permanecer com uma única morte, de singularizar-se com a morte, pedra sobre pedra, pedra crescendo o fogo. Os encontros com Tupac Amaru, as jarreteiras bolivarianas sobre a prata do Potosi despertaram-lhe os começos, a febre, os segredos de ir ficando para sempre. Quis fazer dos Andes desabitados a casa dos segredos. O fuso do transcurso, o óleo amanhecendo, o carbúnculo transformando-se na sopa mágica. O que se ocultava e se deixava ver era nada menos que o sol, rodeado de meias-luas incaicas, de sereia do séquito de Viracocha, sereias com suas grandes guitarras. O meia-luneiro Viracocha transformando as pedras em guerreiros e os guerreiros em pedras. Levantando pelo sonho e pelas invocações a cidade das muralhas e das armaduras. Novo Viracocha, dele se esperavam todas as flechas da possibilidade e agora se esperam todos os prodígios no sonhar.

Como Anfiareu, a morte não interrompe sua memória. A "aristia", a proteção no combate, teve-a sempre … hora dos gritos e do endurecimento do colo, mas também a "areteia", o sacrifício, o afã de holocausto. O sacrificar-se na pirâmide funeral, mas antes ofereceu as provas terríveis de sua estatura para a transfiguração. Onde quer que haja uma pedra, dizia Nietzsche, há uma imagem. E sua imagem ‚ um dos começos dos prodígios, da semeadura na pedra, isto é, o crescimento tal como aparece nas primeiras teogonias, depositando a região da força no espaço vazio.

*José Lezama Lima (1912-1976), cubano, era poeta, ensaísta e seu romance Paradise é considerado o ápice da prosa narrativa hispano-americana. "Ernesto Guevara, Comandante Nosso" foi publicado pela primeira vez na revista cubana Casa de las Américas, n. 46, janeiro-fevereiro de 1968.

 

CHE

Por Julio Cortázar, outubro/1967

Eu tive um irmão

Não os vimos nunca
mas não importava.

Eu tive um irmão
que caminhava pelos montes
enquanto eu dormia.
Amei-o à minha maneira
tomei sua voz
livre como a água,
caminhei de vez em quando
perto da sua sombra.

Não nos vimos nunca
mas não importava,
meu irmão desperto
enquanto eu dormia,
meu irmão mostrando-me
atrás da noite
sua estrela escolhida.

 

POR QUE CORTARAM SUAS MÃOS?

Por Consuelo de Castro*

Che Guevara ‚ a revolução em estado puro, permanente e universal. Sinônimo de revolução. Sinônimo interior, instintivo, pessoal e intransferível de um estado em que o indivíduo se predispõe a virar a mesa da História, no osso do peito, sem pesar possibilidades, sem coordenar, racionalizar, medir. Sua revolução não obedece a nenhum dado racional. Ele não é um mito político para mim. É um mito humano. Um ser humano em estado pleno. Um indivíduo contendo toda a Espécie no seu movimento de mutação. Mito político ‚ Cuba, o milagre da Revolução Impossível, e deste ele fez parte integrante, iluminada, fundamental.

O olhar brilhante, o sorriso firme, o despojamento absoluto, a fé. Tudo isso fez do Che a miragem do homem que se santifica na transparência do Ideal. Que transcende, que arrebenta, que se entrega à paixão. Um quixote, um louco, um obcecado? Um revoltado? Não me interessou jamais qualificar o Che. A centelha da sua impulsividade, da sua rebelião sincera fez arder muitos corações amortalhados pelo comodismo, e ainda aponta a senda para quem se faz de morto - e se desinteressa do movimento do mundo. Ele não se acomodou numa única Revolução, numa única Vitória, nem creio que admitiria, se vivo, um Fidel 30 anos no poder, sem eleições, sem o cara-a-cara com o povo. Vivo, com certeza, faria autocrítica desse poder "eterno", contagiaria a todos os ex-companheiros de Sierra para que a fizessem. Exporia o rosto e a história pessoal ao julgamento do povo. E se elegeria, ao lado de Fidel: com certeza! Porque, por mais falhas que se possa a olho nu enxergar em Cuba, há uma grandeza que vem daquela ilha e essa grandeza se chama: dito efeito. Che não tinha obstáculos entre ele mesmo e seu desejo. Tenho uma certeza intuitiva de que ele foi para a Bolívia sabendo perfeitamente que era impossível. Mas ousou sonhar. "Ousou lutar, ousou vencer." Esta irracionalidade apaixonada, este desapego à própria vida, esta doação de si mesmo fazem do Che uma chama inapagável não apenas para minha geração, mas para todos os que vieram e virão depois de nós. Para mim era como um companheiro próximo, mas nunca o vi a não ser em documentários. No entanto, sofri sua morte coma se a própria revolução latino-americana tivesse morrido. Como se tivesse morrido o impulso da rebelião.

Por que cortaram suas mãos depois de morto?

Poderiam elas ressuscitar o gesto insubmisso?

Cortaram suas mãos mas não conseguiram apagar, naquele rosto ensanguentado num matagal da Bolívia, o sorriso sereno e vitorioso, a beleza dos traços ternos, a suavidade de um homem que parecia ter morrido de morte natural. Para ele, esta foi a morte natural.

*Consuelo de Castro, dramaturga, com mais de vinte peças escritas, entre as quais Caminho de volta, À flor da pele, Aviso prévio e O grande amor de nossas vidas. A prova de fogo, sua peça de estréia, tem como tema o movimento estudantil de 1968, onde Consuelo militou.

 

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