de Contos D’Escárnio/Textos Grotescos
Siciliano, 1990
O que eu podia fazer com as mulheres além de foder? Quando eram cultas, simplesmente me enojavam. Não sei se alguns de vocês já foderam com mulher culta ou coisa que o valha. Olhares misteriosos, pequenas citações a cada instante, afagos desprezíveis de mãozinhas sabidas, intempestivos discursos sobre a transitoriedade dos prazeres, mas como adoram o dinheiro as cadelonas! Uma delas, trintona, Flora, advogada que tinha um rabo brancão e a pele lisa igual à baga de jaca, citava Lucrécio enquanto me afagava os culhões e encostava nas bochechas translúcidas a minha caceta: ó Crasso (até aí o texto é dela) e depois Lucrécio: “o homem que vê claro lança de si os negócios e procura antes de tudo compreender a natureza das coisas”. A natureza da própria pomba ela compreendia muito bem. Queria umas três vezes por noite o meu pau rombudo lá dentro. E antes desse meu esforço queria também a minha pobre língua se adentrando frenética naquela caverna vermelhona e úmida. Empapava os lençóis. Era preciso enxugá-la com uma bela toalha felpuda antes de meter na dita cuja. Na hora do gozo ria.
– isso não é normal Flora.
– bobinho! Isso é vida, alegria, o amor é alegre, Crassinho.
Histérica e sabichona dava gritinhos e rápidos aulidos, e quando tudo acabava, sentava-se sóbria na beirada da cama:
as causas judiciais demoram tanto para serem solucionadas, meu Crasso, tem algum numerário aí para mim? assim que receber dos meus clientes te pago. O seu único cliente era eu e claro que eu pagava. Afinal não me fazia mal ouvir Lucrécio de vez em quando, se a atriz discursante era dona daquela pomba molhada e faminta. Claro que nem todas as soi-disant cultas são assim tão chatas. Tive as cultas refinadas e originais também. Mas que mão de obra, meu pai! Uma delas é inesquecível. Josete. Inesquecível por vários motivos. Mas principalmente pelo gosto exótico na comida e no sexo. Ela adorava tordos com aspargos. E pastelões de ostras. Era preciso que eu telefonasse uma semana antes para os maîtres dos tais restaurantes. Tordo?! Nunca sabiam se era um pássaro ou um peixe. Eu imagino hoje que ela sempre acabava comendo um sabiá. Com aspargos. O pastelão de ostras era mais fácil. Mas os vinhos para acompanhar aquilo tudo! Josete entendia de vinhos como se tivesse nascido embaixo duma parreira de Avignon. Depois desse inferno todo, ainda tínhamos que dançar, porque é delicioso dançar com você amor, se você tivesse mais tempo…
tenho todo o tempo do mundo, querida (talvez tivesse, mas nem tanto!)
Tinha mania de uma música: You’ve changed, e era aquela xaropada até às duas da manhã mais ou menos, quando eu já havia mergulhado meus dedos várias vezes na sua suculenta xereca. Abria discreta e elegante as pernas nas boates, embaixo da mesa, enquanto engolia com avidez aqueles vinhos caríssimos. Sorrindo soltava um pífio arroto de tordos e ostras abafado entre os seus dois dedinhos, enquanto os meus (dedos naturalmente) beliscavam-lhe a cona. Muitas beliscadinhas, muito dedilhado até que ela gozava escondendo o gozo e simulando um segredo e enchendo de bafo, gemidos e saliva a concha do meu ouvido. Eu dizia com a caceta dura e espremida entre as calças:
– vamos embora, hen bem?
– tá tão gostoso, amor
– eu sei, Josete, mas olha só o meu pau
– não seja grosso, Crasso
E aí eu tinha que começar tudo de novo, não sem primeiro ouvi-la pedir as sobremesas e os licores. Depois de Josete ter gozado umas dez vezes entre sabiás e musses e álcoois dos mais finos que me custavam um caralhão de dinheiro, levantava-se garbosa, Espártaco antes da derrocada final, naturalmente. Eu ia atrás meio cego mas ainda sedento. Um tal de Ezra Pound, poeta norte-americano, era o xodó de Josete. Ô cara repelente. Um engodo. Invenção de letrados pedantescos. No primeiro dia que ela citou o tal poeta eu lhe disse: meu tio Vlad quando eu era molequinho, tinha crises de loucura quando ouvia esse aí falando numa rádio italiana. O cara era um bom fascistóide, você sabia?
– bobagens, Crassinho, o homem foi um gênio.
Para agradá-la, pedi que me emprestasse algum livro dele. Emprestou Do Caos à Ordem, cantar XV. Aquilo era uma pústula, uma privada de estação em Cururu Mirim. Senão, vejam:
“O eminente escabroso olho do cu cagando
[moscas,
retumbando com imperialismo
urinol último, estrumeira, charco de mijo sem
[cloaca
…………… o preservativo cheio de baratas,
tatuagens em volta do ânus
e em círculo de damas jogadoras de golfe em
[roda dele.”
Josete adorava. Os olhinhos cor de alcaçuz, úmidos, tremelicavam. A boca repetia lentamente (em inglês, lógico) esses últimos dois versos do tal gênio: “tattoo marks around the anus, and a circle of lady golfers about him”. Eu achava um lixo, mas não queria me desentender com toda aquela boceta-chupeta que literalmente, quando ativada, abraçava e quase engolia o meu pau.
– tudo bem, Josete, se você gosta… de gustibus et coloribus etc.
– pois gosto tanto, amor, que vou te mostrar a que ponto vai minha reverência por esse autor admirável
Abatido, já me imaginei desperdiçando aquelas horas a folhear idiotias, ainda mais em inglês. Estávamos no apartamento de Josete. Pensei: é agora que ela vai se levantar e esparramar os livros do nojento aqui na cama. E adeus mesmo, vou inventar uma súbita náusea e me mando. Surprise! Ah, como a vida me encheu de surpresas! Josete deitou-se de bruços e ordenou lacônica:
– pegue aquela grande lupa lá na minha mesinha.
– Lupa?
– Lupa, sim, Crassinho.
– Então peguei.
– faz um favor, benzinho, abra o meu cu.
– como?
– oh, Crassinho, como você está ralenti esta noite
– e o que eu faço com a lupa?
– a lupa é pra você olhar ao redor dele.
– ao redor do seu cu, Josete?
– evidente, Crassinho.
Foi espantoso. Ao redor do buraco de Josete, tatuadas com infinito esmero e extrema competência estavam três damas com seus lindos vestidos de babados. Uma delas tinha na cabeça um fino chapéu de florzinhas e rendas.
– não acredito no que estou vendo, Josete, você tatuou à volta do seu cu pra quê?
– homenagem a Pound, Crassinho
– mas isso deve ter doído um bocado!
the courageous violent slashing themselves with knifes ( que quer dizer: os violentos corajosos cortando-se com facas. Continuação do Canto XV).
– coma meu cuzinho, coma meu bem, andiamo, andiamo (cacoetes de Pound)
Aí achei o cúmulo. “Jamais, meu amor, machucaria essas lindas damas”. Josete começou a chorar.
– ó Crasso, você é o primeiro homem a quem eu mostro esse mimo, essa delicadeza, essa terna homenagem ao meu poeta, andiamo, andiamo in the great scabrous arse-hole (no grande escabroso olho do cu)
Aí pensei: essa maldita louca vai começar a choramingar mais alto e o prédio inteiro vai ouvir. Enchi-me de coragem e estraçalhei-lhe o rabo com inglesas ou americanas (who knows?) e babados e o chapéu, não naturalmente sem antes lhe tapar a boca, porque tinha certeza que ela ia zurrar como um asno. Zurrou abafada, mas eu podia discernir algumas palavras. Ela zurrava: ó (leia-se aou, aou, aou, entonação inglesa) Aou Ezra, aou my beloved Ezra! Nunca entendi por que Josete quando citava Pound colocava a entonação inglesa. Também nunca perguntei. Certamente o nojento era o Shakespeare dela.