Os
saraus na casa do Tommy eram sempre a mesma coisa: bebida, fumo
e pó da pior qualidade. E trepação, à certa altura começava a
trepação. Todo mundo ali se achava um grande poeta beat. As drogas
e a fodelança eram parte do negócio de imitar os poetas beat.
Hávia duas ou três garotas que só estavam ali por causa do pó.
A coisa fucionava assim: elas entravam com as bucetas e alguém
entrava com o pó. E aquelas bucetas davam um duro danado, por
causa do pó. Mas no fundo elas gostavam. Eu me concentrava na
bebida e no fumo, que não eram grande coisa, mas eram melhores
que o pó --ninguém nunca sabe o que está misturado ao pó; pode
ser trigo, pó de arroz, vidro triturado... As bucetas também não
eram grande coisa. No começo elas me excitavam um pouco, mas isso
era quando eu ainda não tinha visto as mesmas cenas se repetindo
tantas vezes. A chupação, as bucetas e os cus sendo profanados
por ídolos fálicos de todos os tamanhos, num tumulto de línguas
e membros e bocas e orifícios vorazes se procurando avidamente.
Assim, quando os grandes poetas decidiram que não iriam se ater
as regras básicas que o papai e a mamãe haviam ensinado, eu renunciei
às minhas pretenções poéticas. E então eu só ficava ali sentado
com um copo de pinga misturada com suco de groselha na mão e uma
expressão de tédio no rosto, esperando que alguém tivesse um instante
de lucidês e apresentasse um baseado. Sorte minha que os grandes
poetas ali eram todos muito lúcidos.
Lembro
do dia em que Vítor enfiou o pau numa garrafa vazia de gatorade.
Só eu percebi quando ele se afastou do centro da orgia, foi até
um canto da sala e ficou ali mexendo no que devia ser o seu pau.
Sem se virar, ele começou a lançar olhares por cima do ombro na
direção do pessoal que continuava mandando ver no centro da sala.
Cada vez que ele olhava acentuava-se uma expressão de desespero
no seu rosto cada vez mais e mais vermelho. Depois de um tempo
ele se virou e eu pude ver o tubo de gatorade recobrindo o pau.
- Pessoal... gente - ele disse num tom já meio suplicante - eu
estou com um probleminha aqui.
O som estava alto, todo mundo estava alto de pinga e outros baratos
e ocupados demais para ouvir o apelo do Vítor. Aí ele falou de
novo, e bem mais alto dessa vez:
- ALGUÉM ME AJUDA, PORRA!!!
O primeiro foi o Bira, que estava naquele momento fodendo o cu
da Carla e fazendo um desenho com batom nas costas dela. Ele olhou,
demorou um segundo pra entender, e caiu na gargalhada. Depois
foi a Carla, ainda com o pau do Bira enfiado no cu, que disparou
a rir. Num instante todos caíram numa grossa e sonora gargalhada.
Uma dezena de corpos nus rolavam pelo chão em espasmos convulsos
de riso histérico. Do rosto do Vítor, que a essa altura estava
da cor de um tomate bem maduro, corriam lágrimas que pingavam
da ponta do queixo e do nariz, indo cair bem em cima da garrafa
de gatorade.
Demorou
uns dez minutos até que todos se acalmassem. Aí foi se formando
uma reunião em torno do Vítor. De vez enquando, alguem começava
a rir de novo e caía aos pés do Vítor, rindo com estardalhaço
e segurando o estômago. O resto acompanhava.
- Puta que o pariu -Tommy disse - aposto que nem o Burrougs foi
capaz de pensar numa coisa dessas.
Nova gargalhada. Válter foi o primeiro a dizer alguma coisa razoável.
- Mas como é que você foi enfiar o pau nessa coisa?
Bem, não era assim tão razoável, nem ajudava em nada o pobre Vítor,
que era só vergonha e desespero a essa altura, mas todos tentaram
parecer seriamente preocupados daí em diante. Acho que foi a Tina
que disse:
- Escuta, e se tu parasse de ficar com tesão, só um instantinho
assim...!?
- E você acha que eu tô com tesão, sua vaca? -respondeu Vítor.
Tina deu um tapa violento na garrafa de gatorade e ela oscilou
como um pêndulo, enquanto o Vítor soltava um urro selvagem. Formou-se
um tumulto que só parou quando o Válter interveio:
- Pára, pára, não tão vendo que o cara tá numa enrascada?
Daí em diante, todo mundo tinha uma sugestão para resolver o problema
do Vítor.
- Tem que tomar mate gelado - sugeriu Mosca - ... com limão. É
brochante, sabe? Eu tomei quando queria largar da Vanda.
- Pelo amor de deus - disse Válter - você passou meses fodendo
aquela vagabunda. O Vítor aqui não pode passar meses com o pau
dentro dessa coisa.
Carla
se ofereceu para fazer sucção nos testículos.
- Que nada - disse Tina. - Tem é que passar gelo, nos bagos e
no cu.
Tentaram o gelo. Passaram sabão e vaselina. Nada.
- Já sei - disse Bóris.-Não é gelo, é calor. O calor dilata os
corpos.
Todos se voltaram para o Bóris, interrogando-o com os olhos. Ninguém
mais sabia o que fazer, a não ser o Bóris, que parecia muito convicto.
- O calor dilata os corpos. É só aquecer a garrafa e o calor vai
dilatar o vidro e soltar o caralho. Eu fiz Física, vocês sabem.
- É, dois anos levando bomba naquela faculdade vagabunda.
- Vagabunda é a tua mãe.
- E agora tá querendo assar o pau do Vítor.
Houve
uma conferência num canto da sala. No canto oposto, Vítor, incapaz
de qualquer iniciativa ou de se opor a alguém, esperava sentado
numa cadeira, os olhos emitindo um desolação comovente, a superfície
rombuda da garrafa se projetando entre as suas pernas. Sentado
no sofá, eu acompanhava tudo calmamente e continuava tomando a
minha pinga com groselha. Eu não ousava dar palpite quando o assunto
era o pau de um outro cara. Já tinha trabalho suficiente tentando
manter o meu a salvo.
Finalmente,
todos se voltaram de novo para o Vítor. Tinham decidido que aquela
seria a última tentativa. Se falhasse, o Vítor ia ganhar fama
de bem-dotado, com uma garrafa de gatorade dentro das calças.
Puseram o Vítor de pé. Reuniram-se ao redor.
- Olha, Vítor, se doer você diz que a gente pára, certo?
E acenderam vários isqueiros sob a garrafa. Outro que olhava tudo
de longe, sem nenhum entusiasmo era um sujeito chamado Romildo,
que só admitia ser chamado de Adolfo. Agora deixe-me dizer algumas
coisas a respeito do Adolfo. Era um negão de um metro e oitenta,
beiçudo e mal encarado, com um nariz enorme esparramado no centro
da cara e uma testa pequena acima do sobrolho que se projetava
para frente como uma vizeira que estivesse ali para proteger da
luz um par de olhos sempre em chamas. Morava na casa do Tommy
porque nem o Tommy nem ninguém tinha coragem de botá-lo pra fora.
Batia à máquina como todos os grande poetas ali. Quase não falava
e estava sempre segurando um taco de beisebol e com um capacete
do exército alemão da Segunda guerra na cabeça. O nome que dera
a si mesmo, Adolfo, era uma homenagem a Hitler. As vezes, despedaçava
a tacadas uma cadeira ou um vaso e gritava:
- AGORA, SE TIVER A PORRA DE UM NEGRO OU NORDESTINO AQUI, EU QUERO
SABER, E QUERO SABER AGORA!!!
A resposta era sempre um silêncio muito profundo. Aí ele encostava
a extremidade do taco no nariz de cada um e perguntava:
- Você. O que você acha dos negros e dos nordestinos?
Eu era nordestino, mas quando o taco estava encostado no meu nariz
a minha resposta era sempre:
- São todos uma raça de filhos da puta, Adolfo. É pena a gente
não ter aqui incineradores bem grandes para jogar todos eles lá
dentro.
Ah,
sim! Não podemos esquecer do Vítor com o pau entubado sobre as
chamas dos isqueiros. Aquilo também não deu certo. Ou a lei da
dilatação dos corpos está errada ou o pau do Vítor também dilatou
junto com a garrafa, porque quando começou a esquentar ele soltou
um berro pavoroso, terrificante, que deixou todo mundo assustado.
Em seguida começou a chorar como um bebê e a gritar:
- Saiam, fora, fora vocês todos. FODAM-SE, FODAM-SE, FOD...
O
que interrompeu os gritos do Vítor foi o som da porrada e do vidro
se espatifando em mil pedaços. Foi o Adolfo que desferiu o golpe
com o taco de beisebol e pôs fim à agonia do Vítor. Ele quase
sorriu quando viu o pau livre, apenas com um anel de vidro com
dentes afiados enfeitando a base do caralho. Vítor fez todo mundo
prometer que ninguém mais ia ficar sabendo do que tinha rolado
no sarau naquela noite e nunca mais apareceu. Pena, porque todo
mundo ficou doido para saber se ele ainda carrega aquele anel
de vidro em torno do pau.
Do
mesmo autor
Alguém
estava enrabando o xerife e acho que era o
reverendo (parte 1)
Alguém
estava enrabando o xerife e acho que era o
reverendo (parte 2)
Este conto está no livro
Urubus de papo cheio, voando alto sobre as ruínas da cidade e
a carniça dos homens.
de Emiliano Rato Silva (Edição do autor, 1998).
contacto: emiliano@paginasub.cjb.net
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