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Capão Redondo - "sem inspiração para cartão postal" (Mano
Brown) |
Por
Mário Satto.
Capao
Redondo, o bairro da zona da sul de São Paulo, ganhou notoriedade
na mídia quando o rap dos Racionais Mcs projetou-se fazendo ouvir
a vôz dos que vivem cotidianamente no clima de guerra que se instalou
naquele bairro e em toda a periferia de São Paulo. Um ano depois,
em 1998, Capão Redondo ganhara a funesta distinção de bairro mais
violento do mundo.
Com
o rap, os jovens da periferia descobriam a palavra como arma,
e de grosso calibre, a ser usada como denúncia, advertência, resistência
e combate. A palavra própria, sem intermediários: a palavra dura,
fria, cortante, sem nenhum apelo comercial ou ao gosto médio do
público em geral. Os Racionais guiaram-se pela intuição de que
linguagem é parte da realidade e que uma realidade é parte só
encontra sua expressão autêntica através da linguagem que se gestou
dentro dela.
Os
Racionais mostraram que a periferia não devia mais se deixar apresentar
através da crônica policial. Os "manos" tinham sua própria vôz,
marcada pela gíria, um verdadeiro código de cumplicidade e sobrevivência
próprio dos grupos humanos vitimados pela segregação racial e
social.
O
rap, no entanto, não é a única forma de manifestação que os jovens
da periferia encontraram para expressar a realidade em que vivem
e fortalecer os seus laços de identidade. Junto com a dança (principalmente
o break e o street dance) e o graffite, o rap compõe o movimento
hip hop, a síntese cultural consciente que identifica cada vez
mais os "manos".
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Ferrez, autor de Capão pecado |
O
que ninguém esperava é que a guerrilha cultural dos manos estabelecesse
na literatura sua mais recente trincheira. Mas foi o que aconteceu
com o lançamento de Capão Pecado (Labortexto Editoral,
são paulo, 2000), o livro escrito por Ferréz, um jovem de 24 anos,
morador de Cpão Redondo e que além de diversos trampos em que
batalhou pela sobrevivência, é também rapper.
Ferrez faz questão de evidenciar a sua ligação com o movimento
Hip Hop e com sua militância cultural em favor da periferia. Adverte
que uma "revolução" precisa ser feita, "pela arte ou pelo terror".
É claro que não se preucupa em definir o sentido politico da revolução
que anuncia; revolução é apenas a definição mais imediata e espontânea
da resistência dos mais de 200 mil habitantes de Capão Redondo
nas condições de guerra civil em que vivem.
O maior mérito de Capão Pecado está em um relato autêntico,
feito a partir de dentro por alguém que presenciou os acontecirrlentos
narrados que procura apresentá-los com e carga emocional que esses
acontecimentos comportam. Quase todos os personagens que tomam
parte na trama são reais, alguns já mortos, outros tentando, num
campo estreito de possibilidades à disposição, as escolhas que
lhes permitem sobreviver.
Seja qual for o mérito literário de Capão Pecado, o certo
é que com o seu livro Ferréz procura propor o que a a literatura
tem quase sempre se furtado a fazer: dar voz aos que tem sido
continuamente censurados, ignorados, excluídos, reprimidos e dizimados.
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