por
Marcos Cesana - jornalista e autor da peça Desamparo
Texto
publicado na revista "Cult, n.38, Setembro de 2000
Ernest
Hemingway é dos mais celebrados escritores deste século.
Autor de sucessos como O sol também se levanta,
Por quem os sinos dobram e O velho e o mar; foi
festejado e copiado por jovens em início de carreira. e
pela indústria do cinema americano, que adaptou vários
de seus romances. Mas Hemingway anda um pouco em baixa. A maioria
das referências ao escritor feitas pela mídia se
restringe ao seu prazer pela caça, pelas touradas e pelo
boxe - e o qualifica como machista e antiecológico.
A verdade é que esse americano nascido em Oak Park, Illinois,
em 21 de julho de 1899, e que é conhecido por uma literatura
enxuta, sem muitas adjetivações, parágrafos
curtos e narrador de grandes aventuras, como as que ele mesmo
viveu, nunca poderia ser modelo para um mundo "politicamente
correto".
O pai era um médico sem grandes ambições;
a mãe, amante da música, tentou sem muito êxito
fazer de Hemingway um violoncelista. Na escola, ele estudava apenas
o necessário para superar os exames, nunca foi um aluno
brilhante.
Descobriu-se
escritor depois de adquirir sua primeira máquina de escrever.
Os colegas apostavam num autor humorístico, mas se transformou
num autor humanista e corajoso. A descoberta aconteceu quando
passou a participar de um clube de contistas na cidade natal.
As composições que chegavam ao colegas foram melhorando
a cada dia e cada palavra de incentivo que ouvia era um atestado
de que tinha descoberto seu verdadeiro instrumento de trabalho,
a máquina de escrever.
Mas só a vontade de escrever não formou esse escritor
amante do risco. A Primeira Guerra foi, sem dúvida, seu
primeiro contato com o mundo real. Era um motorista de ambulância
na Itália, recolhendo feridos e, provavelmente, colhendo
desde aquela época as primeiras histórias e impressões
da vida que o fizeram tornar-se o Hemingway conhecido por nós.
Desiludido com o que havia visto na guerra, mas acolhido como
um herói, Hemingway foi assombrado pelos moradores de sua
cidade natal, que insistiam com ele para que lhes contasse as
histórias e lhes mostrasse as feridas do corpo, como se
fossem medalhas de guerra. Incomodado, passou a dedicar seu tempo
ao Tribune de Chicago, jornal em que trabalhava. Através
dele, fez várias viagens, numa delas conheceu sua primeira
mulher, Hadley Richardson, e Sherwood Anderson, escritor que também
havia combatido na Primeira Guerra e com quem compartilhava uma
necessidade de ver um país com mais justiça e paz.
Essa ansiedade e os prejuízos psicológicos dos escritores
que lutaram na Primeira Guerra geraram neles um vazio ideológico.
Sherwood e Hemingway foram algumas dessas vítimas que,
sem se encontrarem no próprio país, procuraram a
felicidade voltando para a Europa.
Como correspondente estrangeiro do jornal Toronto Star,
Hemingway chegou à Europa e foi morar em Paris. Nos bares,
cafés, teatros e galerias da "cidade luz", conviveu
com alguns dos maiores gênios deste século - nomes
como Matisse, Braque, Picasso, Jean Cocteau -e com o grupo que
ficou conhecido como "geração perdida"
- Gertrude Stein, Ezra Pound, John dos Passos, Faulkner -, do
qual faria parte.
Mas, quando publicou seus primeiros livros em 1923 e 1924 (Três
histórias e dez poemas e Em nosso tempo), a
"geração perdida" já tinha afrouxado
seus elos e cada um já seguia seu caminho. Em 1926, publicou
O sol também se levanta. Nesse período, que
vai do primeiro ao terceiro livro, Hemingway fez uma série
de viagens à Espanha. Ali descobriu uma das grandes paixões
de sua vida, as touradas, e ficou espantado com a naturalidade
dos espanhóis em face da morte ( evocada em Morte à
tarde , de 1932).
O sol também se levanta foi um sucesso, mas o escritor
alcançou projeção internacional com Adeus
às armas, de 1929, que retoma suas experiências
na Primeira Guerra e vendeu 80 mil exemplares em quatro meses.
Nesse período conturbado de sua vida, o escritor viu nascer
seu segundo filho e recebeu a notícia do suicídio
do pai, em Oak Park. Pouco tempo depois, Hemingway divorciou-se.
Em novembro de 1933, embarcou com a nova mulher, Martha Gellhorn,
para uma expedição na África. O resultado
do safári foi outra grande história: As neves
do Kilimanjaro, de 1935.
Quando, em 1936, começou a guerra civil espanhola, Hemingway
sentiu-se sensibilizado com as forças republicanas, contrárias
a Francisco Franco, e doou 40 mil dólares para depois,
em 1937, rumar para o país como correspondente da Aliança
de Jornais Norte-americanos e constatar os métodos do tirano
espanhol. Apesar dos esforços, Franco ganhou a guerra.
A luta foi novamente retratada por Hemingway em Por quem os
sinos dobram, de 1940.
Suas duas últimas obras mais conhecidas - O velho e
o mar, que ele escreveu quando morava em Cuba,
em 1952, e Paris é uma .festa, de 1960 - revelam
dois momentos distintos na vida desse autor nada burocrático,
nada politicamente correto e que, enquanto esteve vivo, esteve
sempre apaixonado pela vida.
Em O velho e o mar, o autor retrata com maestria a luta
incomum de um velho para apanhar um grande peixe. A luta pela
sobrevivência talvez nunca tenha sido tão bem descrita
como nesse livro. Em Paris é uma .festa, Hemingway
faz um retrato um pouco nostálgico do que foram para ele
aqueles anos da chamada "geração perdida".
Durante a Segunda Guerra, o escritor separou-se novamente. A sua
terceira e última esposa, Mary Welsh, era a única
pessoa, além dele, na casa de Ketchum, ldaho, em 2 de julho
de 1961, quando Hemingway estourou a cabeça com um tiro
de espingarda - sete anos depois de ter ganho o prêmio Nobel
de Literatura de 1954.
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