por
Andrezej
Zaniewski
Extraído
de O rato
José Olympo editora, 1995.
O rato é meu primeiro romance sobre animais, um romance dedicado
a criaturas excepcionais e pouco conhecidas, já que o estudo humano
sobre os roedores tem mais a ver com os métodos para exterminá-los
do que com a compreensão do seu comportamento, sua psique e emoções.
Ao mesmo tempo é um romance cheio de sentimentos e mistério, porque
muitas tragédias, dramas e aventuras acontecem nas tocas e ninhos
de ratos: as proezas de Hércules, a tragédia de Edipo, as peregrinações
de Odisseu, o desespero de Níobe, a morte de Antígona, o destino
dos deuses, titãs, e seres humanos, entram em conflito, se entrelaçam,
se fundem, nos fazendo tomar consciência do que é essencial e
importante para nossos corações.
(...)
Há muito tempo deixamos de nos considerar parceiros dos animais.
Nós os vemos apenas como elementos biológicos que devem ser subordinados
a nossa vontade, nosso conhecimento, e nossos caprichos. Julgamos
a inteligência animal na medida em que ela se submete a nós. Construímos
matadouros gigantescos, fazendas, fábricas de curtimento, milhões
de locais de destruição. Não somos apenas arrogantes, mas também
as mais cruéis de todas as criaturas da natureza, e consideramos
normal ou até mesmo bom procedimento o uso de elegantes peles
de raposa ou casacos de astracã feitos de cordeiros abortados.
Estou escrevendo sobre esses aspectos porque talvez valha a pena
percebermos quem somos na realidade e para aonde estamos realmente
indo.
(...)
Este livro é, ao mesmo tempo, uma descrição baseada em fatos e
um conto de fadas, uma lenda, excepcionalmente cruel e estranha,
cinzenta e dolorosa como a vida de um rato e, no entanto, plausível.
Vivendo próximo a nós, literalmente sob nossos pés, a comunidade
de roedores tem nos acompanhado há milhares de anos. Tem participado
de nosso bem-estar e de nossa pobreza, na paz e na guerra. Nós
não queremos vê-los, não queremos saber nada sobre eles. Nós os
combatemos, os desprezamos como só os humanos são capazes de desprezar.
(...)
0 rato não é exclusivamente um livro sobre animais, embora tal
interpretação possa também ser aceita. Ao contrário, é um romance
sobre as leis que governam a sociedade, sobre nossas mitologias,
nossas verdades e mentiras, sobre o amor e a esperança, a solidão
e a nostalgia. Afinal de contas habitamos o mesmo cosmo, respiramos
a mesma atmosfera terrestre, pertencemos à mesma classe dos mamíferos,
com um cérebro de estrutura similar, um coração, um estômago,
um processo semelhante de fecundação e maternidade. Somos então
parentes, muito próximos biológica e psicologicamente. E apesar
de causas diferentes terem sido responsáveis, ambas as espécies,
graças a sua vitalidade, força e inteligência, não só sobreviveram
a milhares de anos de evolução como também tomaram as rédeas do
nosso planeta. Não se esqueça, então, caro leitor, de que ao descrever
a vida de um rato nesse modo naturalista e detalhado eu tinha
você em mente.
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