Entrevista
originalmente publicada em 1961,
no Journal for the Protection of All People
 |
Bill no aniversário
dos 83 anos. Foto de John Aes-Nihil |
Corso:
Qual a sua divisão?
Burroughs: Kunst unt Wissenschaft.
Corso:
O que você diz sobre conflitos políticos?
Burroughs: Conflitos políticos são meras manifestações
de superfície. Quando os conflitos aparecem, você pode certamente
dominá-los, no sentido de deixá-los sem ação já que eles esperam
se aproveitar da situação. Ficar-se preocupando com conflitos
políticos de superfície é cometer o mesmo erro do touro na arena,
você está agredindo o pano. É para isso que serve a política,
para lhe mostrar o pano. Justamente como o toureiro educa o touro,
educa-o a seguir, a obedecer o pano.
Corso:
Quem manipula o pano?
Burroughs: A morte.
Ginsberg:O
que é a morte?
Burroughs: Um truque de show de mágica. Já chegou a hora
desse truque nascimento/morte. Não pode durar muito mais, muitas
pessoas estão se ligando.
Corso:
Você sente que tem havido uma mudança bem definida no modo de
ser do homem? Uma nova consciência?
Burroughs: Sim, eu posso te dar uma resposta precisa sobre
isso. Eu sinto que a mudança, a mutação na consciência irá ocorrer
espontaneamente logo que certas dificuldades hoje em vigor sejam
removidas. Eu sinto que o principal instrumento de monopólio e
controle, que impede a expansão da consciência, é a palavra. Ela
delimita o pensamento, a emoção e as impressões sensoriais do
ser humano que a hospeda.
Ginsberg:
E se removida, o que vem depois?
Burroughs: O passo adiante deve ser dado em silêncio. Nós
nos separamos da forja da palavra - isto pode ser consumado pela
substituição das palavras, letras, conceitos verbais por outras
formas de expressão; por exemplo, a cor. Nós podemos transpor
palavra e letra em cor (Rimbaud afirmou que em suas vogais coloridas,
"palavras" podem ser lidas em silêncio colorido). Em outras palavras,
o homem deve se afastar das formas verbais para conquistar a Consciência,
a qual está lá, pronta pra ser sentida, apalpada.
Corso:
Como alguém dá esse "passo adiante", você pode dizer?
Burroughs: Bem, essa é minha área e é com isso que eu me
preocupo. Passos adiantes são dados largando a velha armadura,
porque as palavras são fabricadas dentro de você - dentro da suave-máquina-de-escrever-geradora
você não percebe a armadura-palavra que carrega. Por exemplo,
quando você ler esta página, seus olhos movem-se irresistivelmente
da esquerda para direita, seguindo as palavras com que você tem
sido educado. Agora experimente a ruptura de um trecho da página,
desse modo: estão lá ou só nós podemos traduzir muitas soluções,
por exemplo, cor palavra cor na máquina-de-escrever-geradora dentro
de conflitos políticos para conquistar a Consciência, monopólio
e controle.
Corso:
Lendo isso parece que você termina aonde você começa, com política
e sua nomenclatura: conflito, conquista, solução, monopólio, controle;
portanto que tipo de ajuda é essa?
Burroughs: Precisamente o que eu estava dizendo - se você
fala, sempre termina em política, não leva a lugar nenhum, quer
dizer, o homem é estritamente fruto da "suave-máquina-de-escrever".
Corso:
Que tipo de conselho você tem para os políticos?
Burroughs: Digam a verdade de uma vez por todas e calem
a boca pra sempre.
Corso:
E se as pessoas não quiserem mudar, não quiserem nenhuma nova
consciência?
Burroughs: Para qualquer espécie mudar, se são inaptos
e relutantes para isso (por exemplo, eu poderia ter sugerido aos
dinossauros que carapaças pesadas e tamanho grande eram uma furada,
e que eles fariam bem em se converterem às facilidades mamíferas),
não estaria em meu poder ou vontade converter um dinossauro relutante.
Eu posso tornar minhas sensações bastante claras, Gregory. Eu
sinto como se estivesse numa furada e eu quero sair.
Corso:
Você acha que Hemingway saiu?
Burroughs: Provavelmente não.
Dia
seguinte
Ginsberg:
E sobre o controle?
Burroughs: Agora todos políticos reconhecem a necessidade
do controle, quanto mais eficiente o controle, melhor. Todas as
organizações políticas tendem a funcionar como uma máquina, para
eliminar o imprevisível fator do Afeto, emoção. Qualquer máquina
tende a absorver, eliminar Afeto. Mas a única pessoa que pode
fazer uma máquina trabalhar é alguém que tem uma motivação, que
tem Afeto. Se todos os indivíduos estivessem condicionados à eficiência
da máquina para executar suas obrigações, eles precisariam de
pelo menos uma pessoa fora da máquina para dar as ordens. Se a
máquina absorver ou eliminar todos os que estão fora, ela começará
a diminuir até parar pra sempre. Qualquer impulso defeituoso leva,
dentro do corpo e mente humana, à destruição do organismo.
Ginsberg:
Que tipo de organização a sociedade tecnológica poderia ter sem
controle?
Burroughs: A questão toda é que eu sinto que a máquina
poderia ser eliminada, agora que ela cumpriu sua função, alertou
para os perigos do controle maquinal. Eliminação de todas as ciências
naturais. Se alguém tem que ir para a câmara de extermínio, são,
definitivamente, os cientistas. Sim, sou definitivamente anti-cientistas,
porque eu acho que a ciência representa uma conspiração para impor
um real e único universo, o universo dos próprios cientistas.
Eles são viciados na realidade, procuram fazer as coisas reais
para poderem tocá-las. Nós temos uma enorme e elaborada máquina
que eu penso que precisa ser completamente desmantelada. Para
fazer isso nós precisamos de pessoas que entendam como a máquina
- a mídia de massa - lida com semelhante possibilidade.
Ginsberg:
Quem você acha que é o responsável pela situação da droga na América?
Burroughs: É o velho jogo militar, "eu só cumpro ordens".
Como disse o Capitão Ahab, "Vocês não são outros homens, são apenas
meus braços e pernas". O sr. Anslinger tem um monte de braços
e pernas, ou quem quer que o esteja controlando. Como no caso
Wichman, ele é o homem da frente, o homem que precisa segurar
a porrada. Pobre bastardo, eu tenho simpatia por ele.
Corso:
Você poderia ou considera razoável dizer quem será ou apenas que
força irá destruir o mundo?
Burroughs: Você quer pânico? Isso é altamente confidencial.
Está querendo inundar os botes salva-vidas?
Corso:
Tá bem. Então como eles fazem para os botes salva-vidas não inundarem?
Pra começar.
Burroughs: Pegue por exemplo alguns índios na América do
Sul... Nisso vem junto aquele policial imundo com seus botões
da camisa nos buracos errados. Bem, então passa a entrar em vigor
a lei de Parkinson (quanto mais incompetente uma empresa, mais
ela cresce; quanto maior for a renda, maior serão os gastos):
há necessidade não de um policial, mas de 7 ou 8; precisam de
inspetores sanitários, cobradores de aluguel, etc. Só depois de
muitos anos os problemas aparecem: crime, consumo e tráfico de
drogas, delinquência juvenil. Então perguntam, "O que deveríamos
fazer com esses problemas?". A resposta, como disse Gertrude Stein
no seu leito de morte, vem antes da pergunta, é tão simples que
os bastardos já a tinham antes de tudo! E é isso.
Ginsberg:
O que você acha de Cuba e da opinião da FLN (Frente de Libertação
Nacional) sobre os poetas? E o que você acha da política deles
sobre a maconha?
Burroughs: Todos movimentos políticos são basicamente anti-criativos,
visto que um movimento político é uma forma de guerra. "Não há
lugar para sonhadores pouco práticos por aqui", isso é o que eles
sempre dizem. "Suas atividades literárias serão direcionadas,
por favor pare com a vagabundagem", quanto a fumar maconha, isso
é a uma exploração dos trabalhadores. Gostam tanto do álcool e
são contra a erva.
Corso:
Eu sinto que a intolerância do congresso está sentenciando os
EUA.
Burroughs: Eu sou contra a intolerância do congresso em
todos os sentidos, e eu tenho escrito muitos panfletos sobre esse
assunto, no estilo do humilde panfleto de Swift, incluídos em
Naked Lunch; estes panfletos tem estigmatizado Naked Lunch como
um livro obsceno. A maioria dos métodos do congresso são traçados
para inflingir o máximo de humilhação - note os esforços para
prevenir o suicídio.
Ginsberg:
Que recado você dá para a juventude americana que se sente atraída
para a ação política, longe da simpatia pela Revolução Americana?
Burroughs: "Eu não gostaria de estar na sua pele", velho
dito. Se há algum movimento político que eu poderia defender seria
a aliança entre América e a China vermelha, se eles topassem.
Corso:
E sobre os árabes, como estão?
Burroughs: Eles estão atados a milhares de anos e pensam
que estão saindo devido a um punhado de televisores.
Corso:
E sobre os negros, eles conseguirão? Não apenas os do sul, mas
todos.
Burroughs: Biologicamente falando o bloco afro-asiático
é o predominante. Não se esqueça que tanto negros como brancos
são grupos minoritários, a maior raça é o grupo mongol. No caso
de uma guerra atômica, há uma tremenda vantagem biológica para
as áreas denominadas subdesenvolvidas, áreas que têm elevada natalidade
e mortalidade. Porque, cara, eles podem se virar mesmo nestas
condições. O país com uma baixa taxa de natalidade e mortalidade
dificilmente conseguirá. Então os pobres podem realmente herdar
a Terra, porque eles são mais saudáveis.
Ginsberg:
O que você pensa da supremacia branca?
Burroughs: A essência da supremacia branca é essa: eles
são pessoas que querem manter as coisas como elas estão. Que os
filhos do filhos de seus filhos poderiam ser de uma cor diferente,
é algo muito alarmante para eles. Basicamente, eles são comprometidos
com a manutenção de um símbolo estático. Tentar manter um símbolo
estático, mesmo no caso de um bom símbolo, não vinga.
Corso:
Você acha que os americanos querem e lutariam na próxima guerra
com a mesma chama e fervor com que lutaram na 2º Guerra Mundial?
Burroughs: Sem dúvida que sim, porque eles lembram da moleza
que tiveram na última, eles simplesmente sentaram nas bundas.
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Burroughs
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