Entrevista
publicada no jornal Folha de S.Paulo dois dias apôs
a morte do poeta, aos 70 anos, em Nova York.
Por
Eduardo Simantob da Publifolha
A morte de Allen Ginsberg,
ocorrida anteontem, não deixa lacunas. Durante meio século
o escritor americano dedicou-se não só a uma extensa
obra poética, como também ao ensino da literatura
como ato de liberdade e militância político-ambiental.
E a mensagem já está dada. Ginsberg escreveu bastante,
falou mais ainda e participou combativamente das transformações
da América do pós-Guerra. Lutou contra a censura,
combateu a proibição do LSD (1966), protestou contra
a guerra do Vietnã, contra as armas nucleares e militou
pela preservação da natureza.
Em 1994, Ginsberg foi
procurado pela Folha para falar sobre o escritor William Burroughs,
que na época completava 80 anos de idade. A entrevista,
inédita, acabou se estendendo à sua poesia, ativismo
e ecologia. A seguir alguns trechos
Michael
McClure, Bob Dylan e Ginsberg, North Beach, San Francisco, 1965.
Foto de Larry Keenan
Folha
- Como o senhor resumiria a importância de William Burroughs
na literatura americana?
Allen Ginsberg - Burroughs tem uma influência na
cultura dominante americana muito maior do que ele mesmo imagina.
Devido ao processo contra seu livro ''Almoço Nu'', ele
abriu as portas da censura para que novos autores escrevessem
o que quisessem. Muitos dos seus temas continuam e continuarão
importantes, como controle do pensamento, drogas, sexualidade
gay, Estados policiais etc. Mesmo na cultura pop, bandas como
Steely Dan e Soft Machine devem seus nomes a títulos de
livros seus e, mais ainda, à técnica dos cut-ups
(colagem de textos e imagens não tão ao acaso, desenvolvida
por Burroughs e pelo pintor Brion Gysin nos anos 60).
Folha - E o
senhor experimentou também os cut-ups?
Ginsberg - Só no começo, mas essa técnica
foi incorporada por vários escritores, como Dennis Cooper
e Hunter Thompson, sem falar dos músicos. Os garotos do
U2 outro dia vieram me mostrar um videoclipe (da turnê ''Zootour'')
influenciados pelo cut-up.
Folha - Mas
o cut-up não é uma técnica original, os dadaístas
e surrealistas do início do século...
Ginsberg - Sim, eles faziam algo que se chamava ''corpos
estranhos''. Dois artistas trabalhavam numa mesma tela sem saber
o que o outro fazia, depois juntavam tudo. Mas o cut-up não
é um processo inconsciente, é uma forma de dar sentido
a esse inconsciente.
Folha - O senhor
trabalhava o cut-up na sua poesia?
Ginsberg - Não exatamente. Eu também fotografo
e desenho. Nas fotos eu escrevia notas sobre as coisas que estavam
acontecendo quando foram tiradas. Ao juntá-las tenho toda
uma história contada de um modo não usual.
Folha - Hoje
os ''beats'' estão virando moda na América, a mídia
dando às suas obras um espaço até hoje inédito.
Isso é uma surpresa?
Ginsberg - Não. Creio que a obra ''beat'' é
tão forte que já pode ser tomada como referência
literária. Nós tocamos em questões permanentes:
o império americano, ecologia, revolução
sexual, censura. Também há a questão do ''terceiro
caminho'', nem comunismo nem capitalismo, que pregávamos
enquanto os intelectuais procuravam extremos do marxismo ou do
anticomunismo. Nossa preocupação é alterar
estados de consciência e achar soluções ecológicas,
não ideológicas.
Folha - Mas
isso também pode levar a interpretações variadas
do que se diz ou escreve, não?
Ginsberg - Meu negócio é poesia. Ao produzir
não posso controlar o que as pessoas farão depois,
dizer o que elas devem fazer com suas próprias mentes.
E nem gostaria, eu seria um ditador. O melhor que posso fazer
é propor alternativas e me abrir às pessoas que
queiram aprender comigo.
Folha
- E qual é sua principal preocupação hoje?
Ginsberg - O problema básico é o da hipertecnologia
consumindo o planeta numa escala que destruirá as possibilidades
humanas. Li hoje uma entrevista de Jacques Cousteau (oceanógrafo
francês) em que ele diz: ''Estou agora lutando pela minha
própria espécie, buscando conceitos para as gerações
futuras''. Para ele, o divórcio entre a humanidade e a
natureza é irreversível, mas o homem deve se lembrar
que ainda depende da natureza. Mas, como eu, ele tem esperança
no futuro.
Folha - E há
futuro na literatura americana?
Ginsberg - Há um presente. Quem estiver escrevendo,
em qualquer língua, está levando a literatura para
frente, mas deve sempre se lembrar que a imortalidade só
vem depois.
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