por
Carlos de Quincey
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John
Fante em 1937 |
Eu
estava no auge de minha vida de mosca de bar quando conheci Cristina,
uma revisora que trabalhou com vários editores de S.Paulo
e assina trabalhos de autores do pódio, como Jack London,
Baudellaire e tal. Além
de revisora, ela era poeta e tudo, quer dizer, escrevia belos
poemas, poemas de desespero e solidão, uivos de amores
perdidos, uivos de dor a de paixão, paixões das
quais me esforcei para ser o alvo.
No dia em que a conheci, ela estava sentada em uma mesa do bar
da faculdade de História da USP (Universidade de São
Paulo) e eu estava na outra mesa, tentando escrever uns bagulhos
e tomando conhaque e cerveja. Nossos olhares se cruzaram (que
bonitinho, isso tudo) e a mensagem estava dada. Era NECESSÁRIO
nos conhecermos e então a convidei para se juntar a mim,
quero dizer, chamei-a para a minha mesa com um gesto discreto,
sem piscar o olho nem nada. Coisa de Philip Marlowe.
Bem, fim de observação. Naquele dia bebemos uma
piscina de conhaque até a universidade fechar e fomos continuar
a farra no Rei das batidas, um bar próximo, no qual eu
tinha uma conta que pagava de vêz em quando. E já
completamente encharcados, etilicamente falando, saímos
andando até a casa dela que ficava há apenas umas
8 QUADRAS do bar onde estávamos. Chegamos lá dois
anos depois, apôs vários tombos e escalas voluntárias
pelos botecos da região. Finalmente, passamos por uma loja
de conveniência de posto de gasolina e compramos uma garrafa
de vinho barato para garantir o que quer que fosse.
Teria sido nossa noite mais fabulosa, juntos, se não houvéssemos
desmaiados, tão logo caímos na cama. Mas era apenas
o começo.
No dia seguinte, resolvemos adiar nossos compromissos (era uma
quarta-feira) e continuamos na cama, nos recuperando com a ajuda
do vinho que trouxéramos e que havia permanecido intacto
sobre a escrivaninha de trabalho de minha parceira. Bem, acabamos
ficando uma semana trancados naquele aconchegante apartamento,
bebendo, fumando maconha e nos entregando a Eros da forma mais
suicida possível. A mercearia da esquina nos garantiu comida
pronta e mais garrafas de conhaque.
Quando
finalmente voltamos à realidade, tínhamos perdido
nossos empregos, eu tinha perdido provas importantes na faculdade
e precisávamos recomeçar a vida, a MALDITA VIDINHA
de sempre com todas essas regras de convivência social e
o escambau. Eu tinha de partir em busca da compensação
do tempo perdido, além de que ela precisava respirar um
pouco. Ninguém é de ferro. Mas antes eu precisava
satisfazer uma curiosidade que me perturbava: espremidos entre
"As flores do Mal" de Baudelaire e um dicionário
"Aurélio", estavam dois livrinhos finos de um
mesmo autor que eu já ouvira falar: John Fante. Os livros
eram Pergunte ao Pó e Espere a primavera, Bandini.
Cristina
me emprestou Pergunte ao Pó e lá fui eu caminhando
sem destino, LENDO. Eram onze horas da manhã. Simplesmente
não consegui parar de ler e enquanto andava, ia incorporando
o espírito de Arturo Bandini, o personagem alter-ego de
John Fante. Bandini queria ser um grande escritor e já
se achava um deles, exatamente como EU. Bandini cometia trapalhadas
homéricas tanto quanto EU. Bandini só não
bebia tanto quanto eu, mas isso era de menos. O mais importante
é que estavam ali, naquele pequeno livro, as aspirações
e frustrações, as alegrias e dores de um jovem sonhador,
amante, um personagem de carne e osso, mortal. Não era
justo. EU QUERIA TER ESCRITO AQUELE LIVRO. Eu era Arturo Bandini.
Entrei
num bar, pedi pão com manteiga e café com leite.Continuei
lendo as aventuras de Bandini e recomecei minha cerimônia
alcoólica. Lá pelas sete horas da noite, terminei
o volume. Estava inebriado pela pena de mestre de Fante e alcoolizado.
Passei pelo supermercado mais próximo e comprei meia dúzia
de latas de cerveja, uma garrafa de conhaque, uma pizza semi-pronta
e voltei para o apartamento de Cristina. Meus pensamentos fluíam
com clareza e eu queria mais Fante, queria mais Bandini. Cristina
veio abrir a porta, estava de bode, mas não pode deixar
de sorrir, quando me viu lá, parado em frente dela, batendo
o peito e gritando:
-Abra alas baby, chegou Bandini. Não mexe comigo. Eu sou
Bandini, o maior escritor de todos os tempos.Eu trouxe bebida
de montão para a gente baby, vamos beber aos poetas imortais.
Bandini e sua Cristina, sua Camila. Bandini, Arturo Bandini....
Tinha
sido o meu primeiro contacto com John Fante. Depois viriam Espere
a primavera, Bandini, Sonhos de Bunker Hill, os contos
de Dago Red (O vinho da Juventude), Rumo a Los Angeles,
A Oeste de Roma...
Cristina
se mandou com um gringo alguns meses depois de nos conhecermos.
Seja onde você estiver baby, obrigado por Bandini, por Camila,
por Bunker Hill, por Angel's Flight. Obrigado por Jonh Fante.

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