A
L&PM editores publicou o livro "Erections, Ejaculations,
Exihibitions and General Tales of Ordinary Madness",
em dois volumes, sob o título geral de Ereções, Ejaculações
e Exibicionismos (1984). O Vol.1 leva o título do filme
que o italiano Marco Ferreri realizou baseado no texto de Bukowski:
A Crônica do Amor Louco, cuja linha mestra é exatamente o
primeiro conto do livro, A mais Linda Mulher da Cidade.
O Vol.2 chama-se Fabulário Geral do Delírio Cotidiano.
Os trechos abaixo são do Vol.2.
notas
de um candidato a suicida
estou
sentado perto da janela quando chega o caminhão do lixo. esvazíam
as latas. escuto o barulho que faz a minha. lá vai ela: CRAXE
TINQUEL CRAXE BLANQUE BLEM um dos lixeiros vira pro outro
- cara, quem mora aqui deve beber pra caralho!
ergo a garrafa e fico aguardando as novas conquistas dos vôos
espaciais.

alguém
me impinge um livro do Norman Mailer. intitula-se Cristãos e catúbais.porra,
esse cara começa a escrever e não pára mais. sem a mínima força,
sem um pingo de humor. não dá pra entender.só uma palavra atrás
da outra, seja lá qual for, a que pintar. é isso que acontece
com quem é famoso? imagina a sorte que a gente tem!

tem uma orquestra sinfônica lá na costa leste. o regente faz o
maior sucesso tocando o que só posso classificar de Melodias pra
Principiantes. esses trechos de música que agradam a quem é inexperiente
em matéria de música clássica. mas se o sujeito tem um pingo de
sensibilidade, não pode escutar essas peças mais do que 4 ou 5
vezes sem sentir náuseas. essa determinada orquestra vai besuntando
aquilo semanas a fio e a platéia, formada na maior parte por pessoas
de meia idade, (e não me perguntem de onde saíram ou porque são
retardadas: é algo que me escapa por completo) depois de ouvir
essas peças banais, básicas e bastante melosas, pensa de fato
que está diante de algo novo, grandioso e profundo, e pula e grita
"BRAVO! BRAVO!" exatamente como ouviu falar que é assim que se
faz. o regente vem dos bastidores, agradece os aplausos uma porção
de vezes e depois pede pra orquestra levantar. a única idéia que
me ocorre é: será que ele sabe que está tapeando essa gente ou
também é retardado mental?
algumas das peças que teria que incluir na escola de alfabetização
musical e que esse regente gosta de tocar são: La Vie Parisíenne
de Offenbach, o Bolero de Ravel, a abertura de La Gazza Ladra
de Rossini, a Suite Quebra-Nozes de Tchaikowsky (cruz, credo,
te esconjuro!), trechos da Carmen de Bizet, El Salon Mexico de
Copland, a Dança do Tricórnio de De Falla, a Marcha Pompa e Circunstância
de Elgar, a Rapsódia em Blue de Gershwin (cruz, credo, te esconjuro,
pela segunda vez!) e várias outras que de momento não me vêm à
lembrança...
mas é só deixar essa platéia em contato com essa verdadeira usína
de açúcar pra logo ficar reduzida a um estado de imbecilidade
digno de um bando de macacos.
velhote,
de seus 52 anos, dono de 3 casas de móveis, sentindo-se inteligente:
- puxa vida, a gente tem que dar o braço a torcer pro ...taí um
cara que conhece música de fato! com ele a gente sente mesmo o
negócio!
a mulher:
- pois é, sempre fico tão enlevada! falar nisso, vamos comer lá
em casa ou no restaurante?
|
O
grande rebu da maconha
uma
noite destas fui a uma reunião - em geral, o tipo do troço chato
pra mim. sou, essencialmente, um solitário, um velho beberrão
que prefere beber sozinho, talvez com a única esperança de escutar
um pouco de Mahler ou Stravínsky no rádio. mas lá estava eu no
meio da turba enlouquecedora. não vou explicar o motivo, pois
isso já é outra história, talvez mais longa, e mais confusa ainda,
porém, ao ficar ali parado, tomando meu vinho, ouvindo o The Doors,
os Beatles ou o Airplane, misturados com todo aquele vozerio,
percebi que precisava de um cigarro. estava a zero. como sempre,
aliás. aí vi aqueles 2 rapazes por perto, braços caídos e oscilando;
os corpos frouxos, feito gansos; pescoços girando; os dedos das
mãos à vontade - em suma, pareciam feitos de borracha, um elástico
que se esticava, puxava e partia. cheguei perto:
- ei, caras, um de vocês tem cigarro?
foi
o que bastou pra borracha começar a saltar. fiquei ali parado,
olhando, enquanto se entusiasmavam, estalando os dedos e batendo
palmas.
- aqui ninguém fuma, bicho! BICHO, a gente não ... fuma.
- não, bicho, a gente não fuma, não desse tipo, não, bicho.
flipflop. flipflap. que nem borracha.
- nós vamos pra M-a-li-buuu, cara! é, nós vamos pra Malfii-bUUUU!
bicho, nós vamos pra M-a-li-buuuuuu!
- é isso aí, cara!
- é isso aí, bicho!
flípflap. ou, flapflap.
não podiam me dizer simplesmente que não tinham cigarro. precisavam
me impíngir aquele lance de religião: cigarro era pra gente careta.
estavam indo pra Malibu, pra algum lugar onde iam "ficar
numa boa", curtindo um pouco de erva. faziam lembrar, em
certo sentido, essas velhinhas paradas pelas esquinas, vendendo
"0 Atalaia". essa turma toda que vai de LSD, STP, maconha,
heroína, haxixe, e remédio pra tosse, sofre da comichão d`O Atalaia":
você tem que estar na nossa, cara, senão sifu, tá fora. esse lance
é permanente e, pelo visto, uma OBRIGAÇÃO com quem usa esses baratos.
não admira que a toda hora vão em cana - não sabem ser discretos
- com o que lhes dá prazer; têm que APREGOAR que estão por dentro.
e, o que é pior, tendem a ligar isso com a Arte, o Sexo, com o
ambiente de Protesto. o Deus do Ácido deles, Leary, lhes diz:
"desistam da luta. me sigam." aí aluga um auditório
aqui na cidade e cobra 5 pratas por cabeça de quem quiser ouvir
ele falar. depois chega Ginsberg, junto com ele. e proclama que
Bob Dylan é um grande poeta. autopropaganda dos que ganham manchetes
posando de maconheíro. América.
mas mudemos de assunto, porque isso também já é outra história.
este negócio, do jeito que eu conto, e do jeito que é, tem braços
à beça e pouca cabeça. mas, voltando aos rapazes que estão na
crista da onda, os cucas de maconha. a linguagem que usam. chocante,
bicho. tem tudo a ver. o pedaço. maneiro. bacana. cafona. careta.
embalo. de repente. xará. coroa. por aí, e não sei mais o quê.
já ouvi essas mesmas frases - ou seja qual for o nome que se queira
empregar - quando tinha 12 anos em 1932. deparar com tudo isso
de novo, 25 anos depois, não contribui muito pra se simpatizar
com o usuário ' ainda mais quando considera que são o que pode
haver de atual. grande parte dessa gíria se deriva do pessoal
que usava drogas da pesada, a turma da colher e da agulha, e também
dos velhos músicos negros das orquestras de jazz. a terminologia
dos que estão de fato "por dentro" já mudou, mas os
pretensos modernosos, como dupla a quem pedi cigarro - esses ainda
falam no estilo de 1932.

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