Notes
of a Dirty Old Man - Notas de um Velho Safado
(L&PM editores, 1985 e L&PM editores - Pocket - 2000)
reune os textos escritos por Bukowski para a imprensa alternativa
de Los Angeles, pricipalmente os jornais Open City
e LA Free Press, durante os anos de 1967-1969.
algum filho da puta segurou o dinheiro,todos reclamando que estavam
quebrados, o jogo de cartas terminara, eu estava lá sentado, com
o meu amigo Elf, Elf se fodera quando criança, completamente atrofiado,
ficou durante anos deitado numa cama espremendo essas bolas de
borracha, fazendo exercícios malucos, e um dia quando saiu da
cama estava tão largo quanto alto, um risonho e musculoso brutamontes
que queria ser escritor mas escrevia parecido demais com Thomas
Wolfe, fora Dreiser, T. Wolfe era o pior escritor americano que
jamais nascera, eu atingi Elf atrás da orelha e a garrafa caiu
da mesa (ele havia dito algo que eu não concordara) e quando o
Elf levantou eu segurava a garrafa, escocês legítimo, e acertei-lhe
metade no queixo e parte no pescoço e ele se foi de novo pro chão,
e eu me senti o dono da bola, eu estudava Dostoievski e escutava
Mahler no escuro, e tive tempo de beber da garrafa, colocá-la
na mesa, fingir com a direita e enviar-lhe a esquerda bem abaixo
da cintura e ele caiu desajeitadamente contra a penteadeira, o
espelho quebrou, produzindo ruídos como no cinema, brilhou e
serpenteou e então Elf aplicou-me um poderoso na fronte e eu caí
de costas por cima de uma cadeira e a coisa aplainou-se como palha,
mobilia ordinária e eu estava em apuros - eu tinha mãos pequenas
e nenhum gosto especial por briga e não havia acabado com ele
- e ele veio pra cima de mim como um comediante barato e vingativo,
e de cada três eu acertava um, não muito bons, mas ele não desistia
e a mobília estava sendo estraçalhada por todos os cantos, muito
barulho e eu ficava esperando que alguém detivesse aquele endiabrado
- a proprietária, a polícia, Deus, qualquer pessoa -, mas a coisa
continuou parecendo que não ia terminar nunca e aí eu não me lembro
de mais nada
quando acordei o sol estava alto e eu estava debaixo da cama.
saí dali e descobri que podia ficar de pé. cicatriz enorme sob
o queixo. e as juntas dos dedos esfoladas. já tive ressacas piores.
e havia lugares piores pra se acordar. como a prisão? talvez.
olhei ao redor. tinha sido real. tudo quebrado e manchado e estilhaçado,
tudo virado - lâmpadas, cadeiras, penteadeira, cama, cinzeiros
- estraçalhados além de toda medida, nada sensível, tudo horrível
e acabado. bebi um pouco d'água e depois caminhei até o reservado.
ainda estava lá: notas de dez, de vinte, de cinco, o dinheiro
que eu havia jogado no armário toda vez que eu tinha ido mijar
durante o jogo de cartas, e eu me recordo de ter começado a briga
por causa do DINHEIRO. Juntei a grana, coloquei-a na minha carteira,
botei minha mala de papelão em cima da minha cama inclinada e
comecei a guardar os meus poucos trapos: camisas de operário,
sapatos duros com furos no fundo, meias endurecidas e sujas, calças
encrespadas com pernas que davam vontade de rir, um conto sobre
como pegar chatos no teatro lírico de San Francisco, e um dicionário
rasgado da Thrifty Drugstore -"palingêtiese recapitulação
de estágios ancestrais na história da vida."
o relógio estava funcionando, velho despertador, deus o abençoe,
quantas vezes olhei para ele às 7 e meia da manhã, manhãs de ressaca,
e disse, foda-se o trabalho?FODA-SE O TRABALHO! bem, eram 4 da
tarde. Eu estava prestes a guardá-lo no topo da mala quando -
é claro, por que não? - bateram à minha porta.
- ÃHN?
- SR. BUKOWSKI?
- SIM? SIM?
- EU PRECISO ENTRAR E TROCAR A ROUPA DE CAMA.
- NÃO, HOJE NÃO. ESTOU DOENTE HOJE.
- OH, SINTO MUITO. QUE PÉSSIMA NOTÍCIA. MAS ME DEIXA ENTRAR
E TROCAR APENAS OS LENÇOIS. DEPOIS EU VOU EMBORA
- NÃO, NÃO, EU ESTOU MUITO DOENTE, ESTOU APENAS MUITO DOENTE.
NÃO QUERO QUE VOCÊ ME VEJA NESSE ESTADO.
e a coisa continuava. ela queria trocar os lençóis. e seguia.
aquela proprietária. que corpo. era só corpo. tudo a respeito
dela gritava CORPO CORPO CORPO. eu estava lá há apenas 2 semanas.
havia um bar lá em baixo. as pessoas vinham me ver, eu não estava,
ela apenas dizia, "ele está no bar lá embaixo, ele está sempre
no bar lá embaixo." e as pessoas diziam, "Por Deus,
cara, quem é essa sua PROPRIETARIA?". mas ela era uma mulher
grande e branca e ela ia com esses filipinos, esses filipinos
faziam proezas, cara, coisas que nenhum homem branco sequer chegou
a sonhar, eu inclusive; e esses flipsagora se foram com
seus chapéus de aba larga e seus ombros estufados; eles costumavam
ditar moda, esses garotos da rua: estilete, saltos de couro, rostos
gordurosos e diabólicos - aonde é que vocês se meteram?
bem, de qualquer maneira, não havia nada pra beber e eu me sentei
lá durante horas, enlouquecendo; nervoso e puto da cara, com as
bolas encolhidas, lá estava eu sentado com 450 dólares dinheiro
fácil e não podia comprar um chope. eu esperava pela escuridão.
escuridão, não a morte. queria sair fora. outra pancada. finalmente
me exasperei. abri a porta um pouquinho, a corrente ainda conectada,
e lá estava um, um macaquinho flip com um martelo. quando
eu abri a porta, ele levantou o martelo e arreganhou os dentes.
quando fechei a porta, ele tirou os pregos da boca e fingiu golpeá-los
no tapete da escada que dava para o primeiro piso e para a única
porta que dava para fora. não sei por quanto tempo a coisa continuou.
era sempre o mesmo gesto. toda vez que eu abria a porta ele erguia
o martelo e arreganhava os dentes. simples. mente permanecia no
andar de cima. comecei a ficar maluco. eu estava suando, fedendo;
pequenos círculos girando girando girando, luzes laterais e brilhos
de luz no meu teto. tive a íntima impressão de que ia me dar mal.
ganhei por falta de competidores. peguei a minha mala. estava
fácil de carregar. trapos. depois peguei a máquina de escrever.
uma portátil de aço que eu tomei emprestado da mulher de um ex-amigo
e jamais devolvi. tinha uma sensação boa de solidez: cinza, chata,
pesada, esperta, banal. os olhos giravam no fundo da minha cabeça
e a corrente estava fora da porta, em uma das mãos a valise e
na outra a máquina roubada, investi contra o fogo das metralhadoras,
a triste aurora da manhã, a ondulação dos trigais partidos, o
fim de tudo.
- EI! AONDE VOCÊ VAI?
o macaquinho começou a levantar-se e, num joelho, ergueu o martelo,
e aquilo era tudo o que eu precisava - o brilho da luz elétrica
no martelo - eu tinha a mala na mão esquerda, a máquina de aço
portátil na direita, ele estava na posição perfeita, abaixado
na altura dos meus joelhos e eu balancei com grande precisão e
alguma raiva, e lhe dei com a chata e pesada e dura, com força,
ao longo da sua cabeça, seu crânio, sua têmpora, seu ser.
houve quase um choque de luz como se tudo estivesse chorando,
e depois o silêncio. eu estava fora, de repente, na calçada, todos
aqueles degraus abaixo, não podia imaginar. por sorte, apareceu
um táxi.
TÁXI! eu estava dentro. ESTAÇÃO DA UNIÃO. estava bom, o som tranquilo
dos pneus no ar da manhã. NÃO, ESPERE, eu disse. VÁ PARA O TERMINAl
DE ONIBUS.
- QUE QUI TU TEM O MEU?
- EU ACABEI DE MATAR O MEU PAI.
- TU MATOU TEU PAI?
- VOCÊ JÁ OUVIU FALAR EM JESUS CRISTO?
- CLARO.
- ENTÃO VÁ: TERMINAl DE ONIBUS.
fiquei sentado no terminal durante uma hora esperando o ônibus
para New Orleans. imaginando se eu havia matado o cara. finalmente
subi com a máquina de escrever e a mala, socando longe a máquina
de escrever no bagageiro superior, não querendo que a coisa caísse
sobre a minha cabeça. foi uma longa viagem com muita bebida e
algum envolvimento com uma ruiva de Forth Worth também, mas ela
morava com a mãe e eu tinha que arranjar um quarto, e eu arranjei
um num puteiro por engano. a noite inteira as mulheres gritando
coisas como, "Ei! você não vai enfiar AQUELA coisa em MIM
por dinheiro ALGUM desse mundo!" descargas o tempo todo.
portas abrindo e fechando.
a ruiva, ou era uma coisinha muita boa e inocente, ou barganhou
por um homem melhor. de qualquer maneira, eu deixei a cidade sem
ter entrado nas calças dela. finalmente cheguei a New Orleans.
e o Elf! recordam-se? o cara com quem eu briguei no meu quarto.
bem, durante a guerra ele foi morto por uma rajada de metralhadora.
eu soube que ele ficou de cama durante um longo período, 3 ou
4 semanas antes de partir. e a coisa mais estranha, ele me disse,
não, ele me perguntou "suponha que algum ESTÚPIDO filho duma
puta ponha o seu dedo numa metralhadora e me corte ao meio?"
"então a culpa será sua."
"bem, eu sei que você não vai morrer na frente de nenhuma
maldita metralhadora."
"você tá certo pra caralho, cara, não vou mesmo. a não ser
que seja uma das do Tio Sam."
"ora vá se foder! eu sei que você ama o seu país. eu posso
ver nos seus olhos! é amor, amor de verdade!"
Foi então que eu bati nele pela primeira vez.depois disso, vocês
já sabem o resto da história.

|