por
Howard Sounes
Extraído
de Charles Bukowski - vida e loucuras de um velho safado
Conrad livros

Charles
Bukowski levantou-se da cadeira e pegou uma cerveja na geladeira,
atrás dele, no palco. A platéia aplaudiu enquanto ele bebia, emborcando
a garrafa até tomar a última gota dourada.
"Isto
não é uma muleta", disse ele, falando lentamente, com uma cadência
na voz, como W. C. Fields. "É uma necesssssidade."
A
platéia riu e aplaudiu. Uma jovem na frente gritou que ele era
um velho legal. De fato, aos cinquenta e dois anos, Bukowski tinha
idade suficiente para ser pai da maior parte dos garotos que ali
estavam para ouvir sua leitura e, por isso, sua atitude tornava-se
muito mais engraçada. Bukowski tinha uma aparência estranha e
um modo peculiar de falar. Era um homem alto, de um metro e oitenta,
encorpado, com uma barriga de cerveja, mas sua cabeça parecia
grande demais para o corpo, e o rosto era assustador como uma
máscara de Frankenstein: queixo comprido, lábios finos, olhos
tristes, apertados e encovados. Um grande nariz de beberrão, vermelho
e roxo, com veias rompidas, e uma barba grisalha e desigual sobre
a pele oleosa, marcada pela acne: pele tão ruim que parecia trazer
as marcas de uma queimadura. Voara para São Francisco, em setembro
de 1972, levado pelos editores da City
Lights Books, em razão do sucesso de uma coletânea de seus
contos, Erections, Ejaculations, Exhibitions and General Tales
of Ordinary Madness. O livro era dedicado a sua jovem namorada,
Linda King:
Who
brought it to me
and who will take it
away
quem o trouxe a mim
e quem vai levá-lo
embora
Oitocentas pessoas pagaram para entrar em um ginásio em Telegraph
Hill, ansiosas por ver o autor de Life in a Texas Whorehouse
e outras histórias chocantes, aparentemente autobiográficas.
A idéia de aparecer diante delas aterrorizava Bukowski. Embora
sua aparência causasse um certo impacto, era um tímido inveterado
e odiava a si mesmo por ter arrastado seu traseiro até a cidade
dos escritores beatnik, um grupo
do qual não gostava e no qual não se inseria.
Bebera durante todo o dia para criar coragem. No vôo de Los Angeles
pela manhã, no restaurante italiano em que ele e Linda almoçaram
e atrás da cortina enquanto esperava a deixa para entrar em cena.
Seu rosto estava cinza de medo. Vomitou duas vezes.
"Sabe,
é mais fácil trabalhar em uma fábrica", disse ao amigo Taylor
Hackford, que filmava um documentário. "Não tem essa pressão."
A multidão o conhecia por seus contos, mas Bukowski leu poesia.
Poemas sobre bebida, jogo, sexo e até mesmo idas ao banheiro -
ele sabia que só o título piss and shit já os faria
rir.
"Vejam,
alguns desses poemas são sérios, e tenho que me desculpar porque
sei que algumas platéias não gostam de poemas sérios. Mas tenho
que ler alguns de vez em quando para mostrar que não sou uma máquina
de beber cerveja." Escolheu um poema sobre seu pai, a quem odiara
com toda a força. Chamava-se the rat:
with one punch, at the age of 16 and 1/2,
I knocked out my father,
a cruel shiny bastard with bad breath,
and I didn't go home for some time, only now and then to try
to get a dollar from
dear momma.
it was 1937 in Los Angeles and it was a hell of a Vienna.
me? I'm 30 years older,
the town is 4 or 5 times as big
but just as rotten
and the girls still spit on my
shadow, another war is buildingfor another
reason, and I can hardly get a job now
for the same reason, I couldn't then:
I don't know anything I can't do
anything.
com um murro, aos 16 anos e 1/2,
derrubei meu pai,
um filho da puta cruel com mau hálito,
e não voltei para casa por um tempo, só vez por outra para batalhar
um dólar com a
querida mamãe.
era 1937 e Los Angeles era uma grande Viena.
eu? Tenho 30 anos,
a cidade está quatro ou cinco vezes maior
mas tão acabada quanto
e as garotas ainda cospem quando
passo, outra guerra se cria por outra
razão, e não consigo emprego agora
pela mesma razão de outrora:
não sei fazer nada, não consigo fazer
nada.
Parecia que ia chorar quando terminou os últimos e tristes versos,
mas mudou de repente e começou a representar o rebelde novamente.
"Eu
conheço você?"' perguntou a uma fã, que fez um pedido. "Não seja
insolente, gracinha...", ameaçou, desatando a rir. "Mais uma cerveja
e vou pegar todos vocês." Jogou a cabeça para trás, deixando à
mostra os dentes estragados, e gargalhou. "Ha, ha, ha. Cuidado!"
Outro fã tentou subir no palco.
"Que
diabos você quer, cara? Sai do meu pé!", disse Bukowski, como
se falasse com um cachorro.
"Quem
é você, algum babaca?" O público gritou e gargalhou.
Alguém perguntou quantas cervejas ele conseguia beber. Outros
não estavam tão impressionados e exigiarn que Bukowski parasse
de perder tempo. Eles haviam pago para ouvir sua poesia, não para
ver um bêbado.
"Vocês
querem poemas?", provocou os alunos, antipatizando com suas roupas
caras e rostos despreocupados. "Implorem."
“Foda-se,
cara!”
"Mais algum comentário?"
Quanto mais bêbado ficava, mais hostil se tornava, e mais hostilidade
recebia da platéia. "No final, eles atiravarn garrafas", recorda
o poeta beat Lawrence Ferlinghetti,
dono da City Lights Books, que abriu caminho, à força, para tirar
Bukowski de lá, pensando em sua própria segurança.
Mais tarde houve uma festa no apartamento de Ferlinghetti, em
North Beach. O lugar estava lotado de poetas, músicos, atores,
pessoas da platéia, e quase todos estavam bêbados ou drogados.
Bukowski não perdia tempo com drogas, mas era um bêbado barulhento.
Perguntou a todas as mulheres que encontrou se queriam transar
com ele e rosnou para Taylor Hackford quando este tentou filmá-lo
de perto:
"O que você quer, seu puto?"
Bukowski estava conversando com o amigo John Bennett quando um
fã aproximou-se para cumprimentá-lo pela grande exibição. Mandaram-no
cair fora.
"Fodam-se
vocês e suas mães!", disse o fã.
Bukowski não se importava que pessoas insultassern sua mãe ele
mesmo não gostava dela -, mas Bennett ofendeu-se e jogou o homem
escada abaixo.
"Oh,
Deus, lá vamos nós!", exclamou Linda King, enquanto via uma cadeira
despedaçar uma vidraça na briga que se seguiu. Bennett quebrou
outra vidraça e logo metade dos homens na sala trocava murros.
Bukowski agarrou a mão de Linda e puxou-a para a cozinha. Ela
supôs que quisesse protegê-la, ou talvez beijá-la, mas ele acusou-a
de flertar com John Bennett, disse que não passava de uma prostituta,
e tentou atingi-la na cabeça com uma frigideira.
"Olhei
em seus olhos e não o reconheci", diz Linda, que foi vítima do
seu ciúme muitas vezes durante o ano e meio em que estiveram juntos.
"Sempre disse que ele ficava possuído quando estava bêbado. Vi
que ia me pegar pra valer."
Bukowski a prendeu em um canto com o braço esquerdo e brandia
a frigideira com a mão direita, pronto para batê-la na cabeça
de Linda. Ela mordeu-lhe a mão com vontade, abaixou-se rapidamente
e deu no pé. Ele correu atrás de Linda com a frigideira, mas tropeçou,
caiu e cortou o rosto no fogão.
"Pro
inferno, sua puta, você não faz mais parte da minha vida!", gritou.
Linda ouviu o som familiar das sirenes de polícia vindo pela cidade
em sua direção. Isso acontecia com frequência quando iam a uma
festa, ainda que Bukowski prometesse comportar-se. Frustrada,
chutou uma almofada porta afora, desceu as escadas ruidosamente
até a rua, onde as pessoas se reuniam. A polícia logo apareceu,
mas Linda manteve-se afastada, sabendo que era melhor não se envolver.
Marty Balin, líder da banda de rock Jefferson Airplane, queria
fazer um filme dos contos de Bukowski e foi à festa para conhecê-lo.
"As janelas estavam quebradas e havia vidro por todo o chão",
disse Balin, que chegou logo após a briga. "Bukowski estava em
um colchonete no chão. Não havia nenhum móvel no lugar, só garrafas
e vidro quebrado por todo canto. Seu rosto estava todo cortado."
Quando
viu a namorada de Marty Balin, Bukowski levantou-se como pôde
e partiu para o casal.
"Sabe,
eu poderia tirar essa mulher de você assim!", disse, estalando
os dedos no rosto de Marty Balin.
Ao chegar, o poeta Harold Norse encontrou Ferlinghetti lá fora,
na Upper Grant Avenue, visivelmente estarrecido com os acontecimentos.
Norse perguntou o que acontecera e o moderado Ferlinghetti respondeu
que Bukowski e Linda King estavam destruindo sua casa.
"Não
lhe avisei?", perguntou Norse. Ele conhecia Bukowski há muito
tempo e sabia que, quando sóbrio, era calmo, educado e respeitoso.
Porém, quando bêbado - principalmente em companhia de pessoas
sofisticadas, o que o deixava agitado - transformava-se em "Bukowski,
o Maldito"; malicioso, polêmico e até mesmo violento. Podiam ouvi-lo
lá em cima, naquele momento, sendo "Bukowski, o Maldito". Estava
uivando como um lunático.
"FODA-SE
TUDO ISSO!", berrava.
Charles
Bukowski - vida e loucuras de um velho safado,
de Howard Sounes
Tradução de Tatiana Antunes
Conrad
livros, 2000

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